2009-11-08

Um brevíssimo olhar sobre a rede pública de E.A no Algarve

1-Introdução
Um breve olhar sobre o que tem sido a Educação de Adultos no Algarve, nestas últimas décadas, permite verificar que a diversidade de âmbitos associados ao conceito de educação de adultos, numa óptica de articulação entre o formal e o não formal, o escolar e o extraescolar, entre uma educação dinâmica, activa e participativa e o desenvolvimento socioeconómico, social e cultural, não foram suficientemente adquiridos. Contudo, apesar de ao longo destas décadas terem existido alguns exemplos de boas práticas de educação de adultos feitas com as pessoas de uma forma activa e participada, em termos globais, os resultados ficaram muito aquém das expectativas criadas no início dos anos oitenta.
Tomando por referência a definição de Educação de Adultos formulada em 1976 na Unesco como,” conjunto de processos organizados de educação, qualquer que seja o seu conteúdo, nível e método, quer sejam formais ou não formais, quer prolonguem ou substituam a educação inicial dispensada nos estabelecimentos escolares e universitários e sob a forma de aprendizagem profissional, graças aos quais as pessoas consideradas como adultas pela sociedade de que fazem parte desenvolvem as suas aptidões, enriquecem os seus conhecimentos, melhoram as suas qualificações técnicas ou profissionais ou lhes dão uma nova orientação, e fazem evoluir as suas atitudes ou o seu comportamento na dupla perspectiva de uma plena realização pessoal e da participação num desenvolvimento socioeconómico e cultural equilibrado e independente”,então, muitos dos aspectos anteriormente enunciados tem estado, na sua maioria, omissos ou deficientemente ensaiados. Na verdade, o papel da Educação de Adultos como espaço privilegiado do Desenvolvimento não tem sido bem entendido por quem tem responsabilidades neste processo, que devia orientar-se por princípios operativos criadores de espaços de aprendizagem, comunicação interpessoal, organização, progresso, formação de consciência crítica, capaz de levar as pessoas a participar na mudança da realidade social, numa óptica de desenvolvimento endógeno, global e integrado.
Falar de Educação de Adultos equivale a distinguir dois grandes domínios, um relacionado com a alfabetização, o ensino recorrente e extra-escolar que no Algarve tem sido da quase total responsabilidade da rede pública de Educação de Adultos e, um outro domínio, o da intervenção socioeducativa, desenvolvida pela sociedade civil através de Associações e outras Organizações que animadas por um impulso de fazer e servir realizam iniciativas de participação social.
A história da rede pública de Educação de Adultos no Algarve tem sido caracterizada por sucessivas mudanças decorrentes de diferentes intenções políticas correspondendo a diferentes orientações programáticas sobre o contributo da Educação de Adultos para o Desenvolvimento.

2- A Educação de Adultos na década de oitenta

No Algarve, a década de oitenta, início da implementação da rede pública de educação de adultos, foi marcada por boas práticas de educação de adultos, quer no âmbito da alfabetização quer das modalidades extra-escolares. Neste período a implementação das acções de educação de adultos eram concebidas, na maioria das vezes, em função das necessidades expressas pelas gentes locais, com o objectivo de intervir junto dos grupos mais desfavorecidos socialmente, economicamente e culturalmente, numa perspectiva de educação para o desenvolvimento, rejeitando práticas tradicionais sem negar o papel das soluções educativas formais.
Um exemplo demonstrativo de boas práticas em educação de adultos é o caso do ex-Projecto Integrado de Desenvolvimento Regional do Nordeste Algarvio, um Projecto com grandes linhas orientadores, apoiado financeiramente, assumido pelas Instituições com responsabilidades no desenvolvimento local. Este Projecto foi desenhado no sentido de perspectivar o desenvolvimento de uma zona desfavorecida através da identificação de problemas e necessidades locais em que se procurava privilegiar os recursos endógenos, na implementação de um leque de projectos de animação e desenvolvimento comunitário. Ao preconizar o desenvolvimento local como um processo global que reconhecia as múltiplas vertentes a contemplar, o Projecto Integrado comprometia a intervenção de diferentes instituições, grupos e pessoas com diferentes sensibilidades mas com finalidades idênticas.
Com as novas dinâmicas mudou-se o entendimento sobre a forma de intervir em educação de adultos que passou por orientações estratégicas e metodológicas que procuraram elevar o nível sócio-educativo das populações locais, através de programas integrados em que interagissem diferentes pessoas de diferentes instituições localizadas no Nordeste algarvio e com responsabilidades no desenvolvimento local. Por “simpatia”, muitas das boas experiências desenvolvidas no âmbito do Projecto Integrado, depois de devidamente contextualizadas face às realidades locais, eram reproduzidas noutras zonas do Algarve, onde existissem problemas semelhantes e as Instituições estivessem sensibilizadas para trabalhar com a rede pública de Educação de Adultos, Direcção Regional de Extensão Educativa do Algarve, através das Coordenações Concelhias.
A Educação de Adultos, integrada numa equipa pluridisciplinar programou, em articulação com outras instituições, um conjunto de acções que visavam a melhoria progressiva das condições de vida das populações. Numa perspectiva de desenvolvimento regional, por forma a contribuir para a formação integral das populações, sua fixação às zonas de origem, aproveitamento dos recursos locais e diversificação das actividades económicas.
A acção da Educação de Adultos ao centrar-se em áreas fundamentais como a implementação de cursos de alfabetização e ciclo preparatório, animação sócio-cultural e dinamização sócio-educativa das comunidades, assentava no princípio de que a obtenção de mudanças significativas e duradouras dependiam, fundamentalmente, do envolvimento dos grupos de pessoas. Deste modo, o desenvolvimento local dependia da criação de contextos socioeducativos que levassem as pessoas a assumir o papel de co-autores e actores do próprio desenvolvimento através da participação em actividades conjuntas.
Face às exigências colocadas à Educação de Adultos no âmbito do PIDR, as acções a implementar não se limitavam, unicamente, aos cursos de alfabetização e actividades daí decorrentes, pois, os cursos sócio-profissionais surgiram em função das necessidades expressas localmente e com uma importância cada vez maior como factor económico de desenvolvimento global das pessoas. Estas actividades ao contribuírem para a preservação do património cultural das gentes da serra no que respeitava à reactivação de actividades profissionais em vias de extinção, constituíam, ainda, conjuntamente com as actividades de âmbito sócio-cultural, pólos dinamizadores dos cursos de alfabetização e aumento da credibilidade da Educação de Adultos.
Para tal, tornava-se determinante o tipo de estruturação interna das equipas concelhias, a dinâmica que imprimiam no terreno, os objectivos a atingir, os impactos previstos, as redes de relação estabelecidas, a especificidade das funções atribuídas a cada um dos elementos da equipa e, sobretudo, a vontade de inovar, de trabalhar com grupos sociais com maiores carências a nível social, económico, educativo e cultural, num clima de autenticidade e de respeito pela individualidade de pessoas e grupos.
As Coordenações Concelhias constituíam autênticos centros de recursos educativos, com uma rede de relações eficaz no seio da comunidade, disponíveis para realização de iniciativas de animação comunitária, utilizando todos os recursos institucionais disponíveis através de um bom relacionamento com os parceiros sociais locais. As equipas concelhias eram constituídas por dois tipos de agentes de educação de adultos: professores do 1º ciclo do Ensino Básico que exerceram, durante alguns anos, actividade docente com crianças dos 6 aos 10 anos de idade e que estavam destacados nas Coordenações Concelhias para desenvolver as actividades decorrentes do Programa de Educação de Adultos e os bolseiros, jovens com idades compreendidas entre os 20 e os 25 anos, indivíduos do meio ou dele muito próximo. Eram jovens com o 10º, 11º ou 12º ano, caracterizados pela vontade de trabalhar e contribuir para a melhoria das condições de vida, individual e colectiva das pessoas da sua aldeia ou monte próximo. Estes bolseiros faziam alfabetização. A formação para a alfabetização limitava-se a um curso introdutório de fim de semana que permitia funcionar com alguma eficácia desde que sujeitos a um processo de Formação e Acompanhamento Sistemático por parte das equipas concelhias e do Coordenador do Projecto. A cada uma destas equipas juntava-se um elemento da Coordenação Distrital que apoiava e supervisionava o trabalho das equipas através do Acompanhamento Sistemático. O acompanhamento sistemático era um elemento chave no processo de desenvolvimento das acções no terreno na medida em que o objectivo principal consistia em ajudar o agente de desenvolvimento local a desenvolver capacidades e competências que o levasse a explorar os conhecimentos de que dispunha para resolver os problemas com que se confrontava
Nos finais da década de oitenta começaram a sentir-se “ventos de mudança”, em termos de funcionalidade e autonomia, que consistiu na alteração das orientações institucionais, na atribuição de novas funções aos técnicos que faziam o acompanhamento sistemático das acções no terreno, na substituição das estratégias de supervisão por cenários de acompanhamento à distância com consequências evidentes na falta de coordenação, no isolamento a que foram sujeitos alguns dos agentes no terreno .

3. Década de 90

Este cenário de mudança é marcado pelo grande incremento de acções desenvolvidas no âmbito do PRODEP, que com o apoio do Fundo Social Europeu, destinavam-se a elevar os níveis educativos da população jovem e adulta, através de cursos de alfabetização e 2º ciclo do ensino básico e de cursos de formação socioprofissional. Com estes cursos do Prodep assistiu-se a um alargamento da escolarização, a uma burocratização dos Serviços relacionada com complexos processos administrativos, a marginalização das actividades extra-escolares com a ausência de acções de promoção cultural e cívica e de intervenção sócio-educativa junto de outros grupos da população não abrangidos por este Programa, uma vez que as Coordenações Concelhias estavam demasiado envolvidas com o Prodep.
A subordinação da Educação de Adultos ao sistema escolar, o progressivo desinvestimento em termos de recursos humanos e financeiros, e as mudanças estruturais operadas tiveram no Algarve efeitos desastrosos para a educação de adultos. É assim que, no ano de 1993 a Direcção Geral de Extensão Educativa é extinta, e fica traçado o “destino” da rede pública de Educação de Adultos no Algarve. Com a criação do Departamento de Ensino Recorrente e Extra-Escolar, a Educação de Adultos subordina-se ao sistema escolar como via alternativa para responder, em termos de segunda oportunidade, aos jovens que o sistema escolar rejeitou. Com efeito, um jovem que abandone o sistema formal deve ser recuperado, numa segunda oportunidade, podendo corresponder melhor num programa de estudos concebidos num contexto não formal. Este um dos papéis que devem ser acometidos ao Ensino Recorrente e Extra-Escolar, pois, numa região com os problemas de desenvolvimento observados nalgumas zonas, é da mais elementar justeza que se dê particular atenção a pessoas que poderão ser económica, social e culturalmente activas por mais 40 ou 50 anos. Infelizmente o conceito de Educação Recorrente tem sido entendido, quase exclusivamente, como educação de segunda oportunidade, incapaz de perspectivar a distinção operada por Paulo Freire entre educação libertadora em oposição ao que denominou de creditação bancária.
Ao limitar e reduzir-se a acção da Educação de Adultos quase exclusivamente ao sistema escolar, ao retirar autonomia e limitar os recursos financeiros das “Coordenações Distritais” negando-lhe um papel estratégico no desenvolvimento comunitário ao nível da intervenção socioeducativa, da formação cultural e cívica, do trabalho integrado com outras Instituições, começa a esvaziar-se por completo todo o sentido que assume o conceito de Educação de Adultos tal como foi definido em 1976, em Nairobi no Congresso da Unesco. É que, não obstante os discursos dos políticos apontarem para a necessidade de se valorizar a dimensão educativa da Educação de Adultos no sentido de se privilegiarem intervenções socioeducativas endógenas e integradas que tenham em conta as culturas e dinâmicas locais, na prática, o que se observou foi a contradição entre discurso e acção, que culminou com um estado de indefinição e um conjunto de mudanças operadas por decreto que tornaram claro que este subsistema educativo deixara de ser considerado uma prioridade política, face à perda progressiva de identidade e ao estatuto de marginalidade a que não é alheio o reduzido peso político-administrativo conferido pelo Estado.

4- Que futuro para a Educação de Adultos no Algarve?

O Algarve, com uma área aproximada de 5000 Km2, constitui, com os seus dezasseis concelhos e setenta e oito freguesias, uma região naturalmente bem definida. As condicionantes naturais subdividem esta região em três zonas – serra, barrocal e litoral – de diferentes aptidões ecológicas que, obviamente, condicionam a distribuição da população e as suas vivências sociais, económicas e culturais. Ao litoral em crescimento acelerado, em perda contínua de identidade cultural, que corresponde a cerca de 1/5 da região, opõe-se um barrocal e uma zona serrana onde as gentes, contrariamente ao que acontece no litoral, continuam a resistir a certos fenómenos de aculturação.
Segundo dados do INE, a um crescimento da população de aproximadamente 7% nestas últimas duas décadas, o Algarve constitui uma das regiões do País com maior dinâmica demográfica. A este facto está associado o forte desenvolvimento da actividade turística no litoral algarvio. A uma população presente de cerca de 424.000 pessoas (censos de 2001) corresponde uma taxa de actividade de cerca de 45% e uma taxa de desemprego de 9%,(valores aproximados). Relativamente ao número de desempregados, cerca de 15 mil pessoas, 12% correspondem a jovens à procura do 1º emprego, enquanto os restantes 88% correspondem a pessoas à procura de novo emprego. Relativamente às mulheres as taxas de actividade, apesar do seu contínuo crescimento, têm-se mantido inferiores às dos homens e as taxas de desemprego foram mais elevadas, sobretudo nas mulheres entre os 15 e os 24 anos. A maior parte das mulheres exerceram a actividade principal na Agricultura. Em 1997, a maior proporção de mulheres que trabalhava situou-se nos dois escalões salariais mais baixos.
No que diz respeito à taxa de analfabetismo no Algarve, verificava-se o valor médio de 14,5% em 1991, contra um valor de 28% em 1981. Este decréscimo resultou, na sua maior parte, das acções de alfabetização levadas a efeito pela então denominada Direcção Geral de Extensão Educativa. A estes valores médios observados corresponde uma distribuição intra-regional bastante assimétrica e penalizadora das áreas mais desfavorecidas, com destaque para os concelhos da Serra, nomeadamente, Alcoutim (33,9%), Monchique (27,1%) e Aljezur (27,4% ) (último censo de 1991).
Segundo os censos de 91, cerca de 60% dos indivíduos analfabetos eram mulheres. Se nas idades mais jovens a proporção da população que não sabia ler nem escrever era quase idêntica entre homens e mulheres, quando se avançava para grupos etários mais elevados, sobretudo a partir dos 40 anos, a relação ia progressivamente aumentando no número de mulheres analfabetas. Em 1992, a percentagem de mulheres sem qualquer grau de instrução (61,9%), subiu para 63% contra 36,2% dos homens em 1997. Esta subida resultou do aumento do número de efectivos femininos com idades mais avançadas.
Não obstante o lançamento de tantos cursos de alfabetização e da maioria dos jovens serem hoje alfabetizados, graças à frequência escolar, a taxa de analfabetismo no Algarve é ainda elevada, porque, ainda, existem jovens que percorrem o sistema escolar sem se tornarem, efectivamente, alfabetizados, e há pessoas adultas, sobretudo as mais velhas vivendo em situação de semi-isolamento que não aderem aos cursos de alfabetização.
Neste início de milénio, no Algarve, o mapa do analfabetismo cobre praticamente as mesmas áreas que os mapas de pobreza, de desemprego, de isolamento das pessoas mais idosas, de falta de condições de qualidade de vida. O caso típico do analfabeto é aquele que não sabe ler nem escrever e que apresenta piores condições de vida. Nestas circunstâncias será o analfabetismo, por si só, verdadeiramente, o principal problema destas pessoas? Será que em primeiro lugar, não está a satisfação das necessidades mais básicas, conforme Maslow descreveu na hierarquia das necessidades humanas, em que as necessidades associadas à sobrevivência são determinantes para o desenvolvimento das capacidades intelectuais. Para o autor, na base da sua pirâmide encontram-se as necessidades fisiológicas e de segurança que condicionam a sobrevivência física das pessoas, depois seguem-se as necessidades sociais e de autoestima que consolidam as relações de confiança e de pertença e, por fim, no topo da pirâmide estão as necessidades de autorealização e de satisfação pessoal.
A alfabetização parece ter maior êxito junto da pessoas e tornar-se educação para a liberdade se estiver associada a projectos de desenvolvimento económicos e/ou sociais. Deste modo pode constituir um factor de desenvolvimento das comunidades locais, não só pelos objectivos que prossegue no sentido de facultar a aquisição de conhecimentos básicos, de despertar a consciência crítica, de combater a inércia e o conformismo mas, também, pela pedagogia específica que pratica. A pedagogia da formação de adultos é, deve ser, activa, o que implica uma selecção e construção adequada dos materiais, a adopção de métodos e estratégias adequadas ao grupo de adultos educandos, o recurso a fontes comunitárias de aprendizagem, o estudo de problemas da vida real, que permitam à pessoa adulta criar comportamentos e atitudes de aprendizagem ao longo da vida.
Neste processo, o agente de educação de adultos desempenha um papel determinante no sentido de ser capaz de relacionar-se correctamente com os educandos, de aproveitar os seus conhecimentos e experiências e de os despertar para a consciencialização em torno de necessidades básicas tornadas não conscientes pelos valores e normas dominantes na sociedade. A questão fundamental reside no papel assumido pelo agente de alfabetização, um professor do 1º ciclo do ensino básico, em acumulação, que após um dia de trabalho com crianças dos 6 aos 10 anos de idade vai alfabetizar pessoas adultas. Sem negar as suas competências no ensino da leitura e da escrita, o que parece mais questionável é se estes profissionais do ensino básico terão formação e preparação para trabalhar com adultos e, principalmente, se terão ideias claras acerca do real significado do que é fazer alfabetização? Quando trabalham com minorias étnicas ou grupos sociais desfavorecidos terão consciência de que a aprendizagem da leitura e da escrita não implica apenas a aquisição de um saber fazer técnico, neutro, mas apela a valores e conceitos culturais fundamentais?
Um outro aspecto muito importante para a qualidade pedagógica das acções de alfabetização que, por vezes, não é levado tão a sério como deveria ser, é a produção de materiais didácticos. Os adultos educandos trabalham durante o dia e apenas podem estudar à noite ou nos raros momentos de lazer. Por outro lado, o dinheiro também não é muito para comprar livros ou revistas para os ajudar a aprender a ler. Daí que os materiais a utilizar nas sessões de alfabetização deverão ser adequados às necessidades de aprendizagem dos educandos, em termos de conteúdos e atraentes no sentido de ajudar à progressão na aprendizagem. Estes materiais devem ter em conta os problemas reais e imediatos dos adultos educandos e o meio em que vivem. As pessoas só aprenderão a ler e a escrever se virem utilidade em tal, pelo que os materiais a utilizar devem permitir ainda a aquisição de conhecimentos necessários para melhorar a sua qualidade de vida. Apresentados numa linguagem simples e directa, os materiais devem incluir assuntos que respondam ao grau de maturidade dos educandos.
Daí que seja absolutamente proibitivo tratar os adultos como se de crianças se tratassem, de utilizar de forma inconsciente nas sessões com adultos os materiais utilizados nas aulas com as crianças do 1º ciclo, do tipo “ o piu...piu pia”. São estas utilizações indevidas de material didáctico que ao revelarem falta de sensibilidade, falta de formação para trabalhar com pessoas adultas, desrespeito, falta de ética profissional, descredibilizam a educação de adultos.
Para a mudança das condições de vida das pessoas adultas que apresentam maiores carências a nível económico, social e cultural, impõe-se uma intervenção educativa que promova o desenvolvimento pessoal e profissional, que estimule a co-responsabilização social e favoreça a criação de espaços de solidariedade, pois, de nada serve aprender a ler, a escrever ou contar se os conhecimentos fundamentais adquiridos não encontram num determinado meio, uma aplicação quotidiana, concreta, imediata e benéfica.
Face ao exposto, o Ensino Recorrente e a Educação Extra-Escolar deve ser capaz de superar a distância entre escolarização e vida activa, pela relação que a educação deve ter com a vida real das pessoas adultas, numa perspectiva de desenvolvimento global da vida das pessoas e das comunidades onde inscrevem as suas actividades sociais e profissionais. Segundo Melo (1996) a construção de uma sociedade educativa faz-se sobretudo a “toda a largura da sociedade”, no quadro de uma política social, económica e cultural e de desenvolvimento integrado e endógeno com a participação das diferentes Instituições, nos mais variados espaços, através de projectos de intervenção comunitária que envolvam as pessoas na plenitude das suas funções de cidadãos. Daí a importância de sensibilizar os decisores políticos, económicos e sociais, pois, cada vez é mais visível que a ausência de comprometimento por parte destes agentes sociais tem sido a principal causa do fracasso dos programas de desenvolvimento da educação de adultos. Não será tempo de ensaiar novas experiências dando oportunidade a gente com outra formação e preparação para lidar com gente adulta? Porquê tanta relutância em legislar para que as Coordenações Concelhias sejam constituídas por equipas multidisciplinares que integrem profissionais de outros sectores?
E a alfabetização? Até quando continuará ser administrada por professores do 1º ciclo do ensino básico, em regime de acumulação quando, como refere Benavente et al (1979), não revelam nenhuma competência especial para a educação de adultos, são muito marcados pela sua actividade com as crianças, o que tem aspectos negativos como uma supervalorização do saber ler e escrever e uma incompreensão do que é educação de adultos.
Se as políticas educativas não mudarem o rumo das suas estratégias de educação de adultos, marcadas pela ausência de processos específicos e pela ausência de investigação e inovação de métodos que lhes permita responder às necessidades das pessoas adultas, então de pouco servirão os investimentos e esforços gastos neste subsistema educativo.
Neste momento, no Algarve, observam-se formas diversificadas de crise no tecido social, com situações preocupantes de desemprego, baixo nível de qualificação de recursos humanos, evolução da população residente com mais de cinquenta anos, exclusão económica, social e cultural, a que os esquemas tradicionais de solidariedade e previdência social não conseguem dar resposta. O contínuo fluxo de migrantes económicos e “refugiados” dos países de leste vieram marcar o início de profundas alterações na vida algarvia. O Algarve de hoje subitamente heterogéneo em alto grau, caracteriza-se por uma grande diversidade cultural acentuada pelas minorias, emigrantes, “refugiados” e movimentos de população que acorrem ao Algarve na procura de melhores condições de vida.
Seguramente que este é mais um motivo para que a educação de adultos no Algarve constitua uma prioridade. Sobretudo num momento em que se reconhece a necessidade de aprendermos a viver todos juntos e aprendermos uns com os outros. Se para os “algarvios” a tolerância e a cooperação intercultural activa deve fazer parte do nosso dia a dia, os grupos minoritários que escolheram o Algarve para viver têm o direito de aprender. A educação e a formação são uma obrigação social e um bem público que se prende com o processo de desenvolvimento comunitário. Esta Aprendizagem, que não se confina à educação formal, será fundamental para uma maior coesão social, para consolidar valores fundamentais de ordem pessoal e social, para responder a problemas de exclusão e para dar resposta a exigências dos processos económicos. A educação é uma solução para dar resposta a mudanças rápidas ocorridas na sociedade em geral e no mundo do trabalho em particular. Daí a importância da Educação de Adultos...

“Se fizer um projecto para um ano, lance uma semente.
Se for para dez anos, plante uma árvore.
Se for para cem anos, ensine o povo.
Quando semear um grão uma vez, recolherá uma única colheita.
Quando ensinar o povo, recolherá cem colheitas”
Kuan Chang

Daí que o novo milénio exija uma melhor educação de adultos que reduza desigualdades e injustiças sociais. Mas, para mudar a “face” da rede pública de educação de adultos, não se podem esperar milagres. As mudanças são lentas e implicam investimentos de vária ordem, no âmbito da investigação, da formação, da preparação científica para trabalhar com pessoas adultas, do acompanhamento sistemático dos agentes de educação de adultos.
Parece que não é só uma questão de esforço técnico-administrativo, nem sequer parece depender unicamente de medidas de políticas educativas, mas também, do papel das Instituições, do sentido profissional das pessoas envolvidas e a envolver, das questões ideológicas, do assumir de compromissos e, sobretudo, da qualidade, da formação e da vocação dos agentes de educação de adultos.

1 comentário:

Anónimo disse...

O Manual Escolar 2.0 é um projecto pioneiro a nível mundial, no qual os manuais escolares são construídos on-line, num espaço aberto à participação de todos os professores.
Num artigo no nosso site, tomámos a liberdade de incluir um link a um artigo do seu blogue. Pode verificar aqui: http://www.manualescolar2.0.sebenta.pt/projectos/sebenta/posts/126.
Aproveitamos a ocasião para convidá-lo a visitar o nosso site e participar nas diversas discussões que lá permanentemente decorrem.
Todos os comentários e sugestões são bem-vindos. Estamos à sua espera!
Até breve,
Filipe Medeiros
Manual Escolar 2.0
http://www.manualescolar2.0.sebenta.pt