2008-04-17

Opção II

Para os alunos da disciplina de Opção II do 1º ano do Curso de Educação Social aconselha-se a leitura do livro


LIVRO: Animação Cidadã para a Acção Solidária

Introdução

Este pequeno livro é um dos resultados do Projecto São Brás Solidário, conduzido no quadro da Iniciativa Comunitária EQUAL, no concelho de São Brás de Alportel, por uma parceria de desenvolvimento constituída por 5 entidades: a Câmara Municipal de São Brás, a Associação de Industriais e Exportadores de Cortiça – Delegação do Baixo Alentejo e Algarve, a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de São Brás, a Associação Nacional de Jovens para a Acção Familiar e a Associação In Loco, que assumiu a coordenação global da intervenção realizada. O trabalho que a equipa efectuou esteve profundamente vinculado ao território do concelho de São Brás e envolveu muitas pessoas e entidades locais no processo de experimentação social, daí retirando o seu sentido e a sua espessura de vida partilhada, e daí partindo para a formalização dos adquiridos. No entanto, a proposta que este produto encerra pode ser assumida em muitos outros territórios que se confrontem com problemas semelhantes: perda dos laços de sociabilidade, desgaste da própria ideia de investimento solidário, erosão da coesão social, diluição da identidade cultural. Urbanos ou rurais, esses outros territórios ganharão, por certo, se puderem desenvolver uma dinâmica de mobilização de pessoas e entidades para a intervenção social solidária, processo designado pela expressão: Animação Cidadã para a Acção Solidária. O território é aqui pensado como espaço de vida, de prática para uma dada população – pode ser uma freguesia, um concelho, um bairro … ou mesmo uma instituição. As pessoas são quantos e quantas fazem a sua vida, desenvolvem as suas práticas no território em questão. As entidades são os actores colectivos desse território ou os que, sendo exteriores, nele exercem a sua acção. Essa dinâmica poderá comportar múltiplas actividades e iniciativas. No caso do Projecto São Brás Solidário foram testadas quatro actividades - os Encontros Comunitários, a Rede de Voluntariado, o Mercado Solidário e a Feira da Solidariedade - e dois instrumentos de apoio - o Jornal e o Programa de Rádio. A cada uma das actividades será dedicado um capítulo, dividido em duas partes: o Conceito, de caracterização e fundamentação, e o Historial, de descrição sucinta da experiência que o pôs em prática e ajudou a configurar com maior nitidez. Os dois instrumentos serão abordados de forma breve num capítulo à parte: embora não atinjam a complexidade das actividades, desempenham uma função essencial de informação e sensibilização das pessoas e entidades do território, de abertura de um espaço público de comunicação, de criação de uma linguagem afectiva, simbólica e conceptual comum. Na componente de historial das 4 actividades e na parte referente aos instrumentos, a coluna exterior acrescenta pequenas notas ao relato realizado no corpo principal do texto: imagens de alguns momentos, coisas ditas por pessoas envolvidas, reflexões de elementos da equipa, apontamentos diversos. Deste modo, o instrumento acolhe as pessoas e o real vivido que compuseram a história do Projecto São Brás Solidário, e recorda que a Animação Cidadã para a Acção Solidária assenta na convicção de que as capacidades, a criatividade e a energia dos actores locais podem ser mobilizadas para a construção colectiva de um sentido e de um projecto para o seu território.


Encontros Comunitários
Conceito:
Um Encontro Comunitário é um espaço e um tempo de partilha e reflexão, focado num território preciso, centrado na abordagem de uma problemática pertinente para esse mesmo território, aberto à participação de todas as pessoas que nele residem, e de todas as entidades nele sedeadas ou que nele operam, que visa favorecer:
• uma consciência partilhada da problemática e das questões que lhe estão associadas;
• a procura activa de possíveis respostas para essas mesmas questões;
• a criação ou aprofundamento de uma dinâmica de testagem e concretização das respostas que forem sendo consensualizadas.
O Encontro Comunitário é um evento pontual mas inscreve-se num tempo alargado.
Há um antes: de vivência da problemática; de consciência mais ou menos difusa ou mais ou menos precisa da sua existência; de envolvimento de actores locais (pessoas e entidades) na organização do encontro, em colaboração com o grupo que tomou a iniciativa de o promover; de sensibilização das outras pessoas e entidades para a necessidade e vantagem de participarem na reflexão colectiva. Há um depois: de mobilização de entidades e pessoas para aprofundar a dinâmica iniciada, de retoma das ideias e propostas avançadas, de concretização de medidas. A problemática tem de ser pertinente para o território e para a sua população e entidades, o que pressupõe capacidade de detecção por parte dos agentes empenhados na organização de um Encontro Comunitário. O diagnóstico que não ultrapasse a recolha de dados de tipo quantitativo não serve. É fundamental assumir uma postura de escuta activa das pessoas e das entidades -sedeadas no território ou nele intervindo -que permita apreender as suas preocupações e expectativas: a problemática só é pertinente se tiver eco na experiência subjectiva dos actores locais. O Encontro Comunitário tem de ser concebido e organizado de forma a favorecer a emergência de uma consciência partilhada, por um grupo tão alargado quanto possível de pessoas e entidades, relativamente a uma problemática pertinente para o território em questão. As muitas formas de ver um problema -que constituem à partida uma riqueza, que o encontro convoca e revela -podem transformar-se num obstáculo à acção. É, por isso, fundamental ultrapassar essa fragmentação numa visão mais unificada, a construir colectivamente. O Encontro Comunitário tem de ser activo e desafiador, procurando:
• envolver as pessoas e as entidades participantes na concepção de possibilidades de acção relativamente à problemática considerada;
• incentivar e sustentar a sua vontade de investir na concretização e exploração dessas possibilidades.
Um Encontro Comunitário deve ser pensado e organizado por um conjunto diversificado de pessoas, a título individual ou enquanto representantes de entidades locais, porque só assim é possível garantir:
• a detecção de uma problemática pertinente;
• a concepção e realização de um programa ajustado aos vários públicos que se quer mobilizar;
• a divulgação personalizada do evento junto de sectores diversificados;
• a sensibilização alargada de pessoas e entidades para participarem;
• o aprofundamento posterior da dinâmica iniciada com o encontro.
Como o Encontro Comunitário permite abrir frentes de reflexão e acção, criar consciência partilhada, lançar dinâmicas colectivas, é natural que num processo de Animação Cidadã se aposte na organização, não de um, mas de um conjunto alargado de encontros, tornando possível:
• a retoma de uma problemática pertinente;
• a abordagem de novas problemáticas.
A retoma pode resultar da necessidade de considerar a mesma problemática sob diferente ângulos, criando condições de participação mais favoráveis para grupos sociais distintos: mulheres, jovens, imigrantes, pais e mães…
Mas também pode verificar-se que o trabalho de reflexão e acção, realizado na sequência de um encontro, solicita e permite a abordagem da mesma problemática a um nível mais aprofundado. Por outro lado, a criação de uma dinâmica de participação cidadã na abordagem de uma problemática pertinente a nível de um território gera, quase naturalmente, a revelação de novas problemáticas. Podendo parecer autónomas de início, as novas problemáticas vão revelando os seus pontos de contacto e eixos de articulação, à medida que o envolvimento das pessoas e entidades no processo de reflexão, de tomada de consciência e de acção conjunta propicia uma percepção mais ajustada do território. Realizar um encontro comunitário, ou uma série de encontros, só é possível se existir uma real vontade de iniciar e Condição básica para a acção aprofundar uma dinâmica de participação. Por outras palavras, a equipa que toma a iniciativa tem de querer e ser capaz de mobilizar os actores pertinentes (individuais ou colectivos, privados ou públicos), escutar e acolher as suas opiniões, promover a reflexão em comum, fomentar a concertação, favorecer a tomada de decisão colectiva, mobilizar recursos para a concretização das propostas consensualizadas… funcionar como facilitadora de um processo que vai sendo construído progressivamente com os contributos de toda a gente envolvida. Se uma entidade, ou uma pareceria de várias entidades, considera que já equacionou devidamente um problema e que tem uma forma de lhe responder bem formatada, não vale a pena organizar um encontro comunitário: não estaria a propor uma dinâmica e a convocar participantes, apenas a reunir um público para avalizar a sua solução.

Historial

Antecedentes

Em 2003, a Câmara Municipal de São Brás de Alportel iniciou a realização de encontros que receberam a designação de Fóruns Comunidade -Família. A organização deste tipo de encontros foi depois assumida pela Rede Social do concelho. No momento da concepção do Projecto São Brás Solidário, as entidades parceiras decidiram retomar os encontros e reformulá-los na perspectiva que foi apresentada anteriormente.
A coordenação desta actividade no âmbito do projecto foi assumida pela Câmara Municipal, que contou com o apoio e envolvimento activo dos restantes parceiros.
Os encontros não corresponderam a uma programação pré-definida, nem em termos de temática nem de calendário, inscrevendo-se naturalmente na dinâmica de animação social e política desencadeada pela intervenção.

Criação de Dinâmicas

Na generalidade, constituíram o ponto de chegada de um processo de auscultação e mobilização de actores locais e o ponto de partida para uma dinâmica colectiva. Um exemplo disso mesmo foi o encontro designado “Falando de Imigração – Mitos e Factos”, que teve lugar no dia 19 de Junho de 2006, no auditório da Escola Básica do 2.º e 3.º Ciclos Poeta Bernardo de Passos, em São Brás de Alportel. Tendo como objectivo o debate de ideias, a troca de experiências e a concepção de propostas de acção relativamente à imigração no concelho, o encontro contou com a participação de 77 pessoas, a maior parte das quais estrangeiras, oriundas de países do Leste europeu e do Brasil. A preparação do encontro implicou um trabalho prévio de captação da problemática da imigração. Não existindo em São Brás nenhuma estrutura vocacionada para atender e apoiar os imigrantes e não se dispondo de uma caracterização da sua situação, a equipa do projecto procurou recolher o máximo de dados junto dos serviços públicos – escolas, Centro de Saúde, Segurança Social – da Câmara, de diversas associações locais e dos imigrantes com que conseguiu estabelecer contacto. O trabalho de aproximação e colagem dos vários fragmentos de informação obtidos permitiu começar a configurar esta realidade pouco conhecida. O processo de auscultação possibilitou a mobilização para o encontro de um número significativo de imigrantes e de outras pessoas de São Brás preocupadas com a problemática da imigração, nomeadamente elementos dos corpos docentes das escolas locais, interessados em assegurar uma melhor integração escolar e social das crianças e jovens de famílias de imigrantes. Na sequência, teve início o processo de apoio à criação de uma Associação de imigrantes brasileiros e prosseguiu o trabalho de contacto com os imigrantes de Leste, para os quais se veio a realizar um encontro específico. A dinâmica criada conduziu a Câmara Municipal e a Associação In Loco ao estabelecimento de um protocolo de cooperação com o Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas (ACIME), actualmente ACIDI (Alto Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural), que serviu de base à criação do Centro Local de Apoio à Integração de Imigrantes (CLAII), em funcionamento desde o final do mesmo ano (2006).

Divulgação e Formato dos Encontros

A preocupação de mobilizar o maior número de pessoas e entidades para a participação nos encontros, e de garantir a presença de grupos específicos, conduziu à adopção de estratégias de divulgação variadas e à procura do formato e enquadramento mais adequados a cada caso. Para chegar até aos pais e mães recorreu-se às crianças e jovens, encarregadas de levar para casa os convites que a equipa organizadora preparou e entregou nas respectivas escolas. Para os imigrantes do Leste europeu, foram feitos convites em russo, distribuídos em locais estratégicos, como a loja de especialidades russas e ucranianas, e foram enviadas mensagens através de interlocutores-chave, como o padre ortodoxo que celebra o ofício religioso todos os Domingos. A par destes, funcionaram todos os canais e meios correntes: passagem de informação aos corpos docente e administrativo das escolas, às funcionárias e funcionários dos serviços de Segurança Social ou do Centro de Saúde, a responsáveis e dirigentes associativos; colocação de cartazes e distribuição de folhetos; notícias na rádio e jornais locais, nota na Agenda Municipal, destaque no jornal do projecto …
Em termos de formato, também houve variações assinaláveis:
• o encontro sobre os tempos livres dos jovens integrou-se, informalmente, num Festival preparado pela Câmara Municipal, em colaboração com associações juvenis do concelho;
• um dos encontros dirigidos à animação de pais e mães, organizou-se em torno da apresentação de uma peça de teatro pelo “Clube de Pais de Santa Maria da Feira”;
• um dos encontros dedicados à problemática da imigração funcionou, quase, como uma antecipação do Centro de Apoio Local à Integração de Imigrantes, com o técnico russo de um CLAII já em funcionamento a fornecer informação legal e a responder às questões das pessoas presentes.

Problemáticas variadas

Foram realizados 13 encontros sobre problemáticas muito variadas: Voluntariado, Imigração e Interculturalidade, Animação de Pais e Mães - através do associativismo e da criação de clubes - Violência Doméstica, Tempos Livres dos Jovens, Ambiente, Ordenamento do Território …
Os três últimos foram desenvolvidos em articulação com o instrumento de animação política ensaiado pelo Projecto São Brás Solidário, o Orçamento Participativo: acrescentaram à participação nas sessões de consulta pública do OP uma dimensão de carácter estratégico, permitindo às pessoas ultrapassar o imediatismo dos investimentos anuais e pensar o concelho numa temporalidade mais alargada. Um quarto serviu para lançar o primeiro ciclo de Orçamento Participativo para crianças e jovens junto dos alunos e alunas da Escola Secundária de São Brás de Alportel.

Balanço

Os Encontros Comunitários realizados promoveram a mobilização de cidadãs e cidadãos para a intervenção social (no conjunto dos 13 Encontros Comunitários participaram 356 pessoas, sendo 222 mulheres e 134 homens. As participações elevaram-se a 406, uma vez que algumas pessoas estiveram em mais do que um encontro), favoreceram a aproximação entre diferentes entidades, facilitaram a preparação de candidaturas e o desenvolvimento de projectos em parceria, apoiaram o enraizamento de hábitos de cooperação, permitiram a criação de novas respostas institucionais e induziram a auto-organização de grupos sociais. Entre vários outros, três factos comprovam-no inegavelmente:
• o projecto desenvolvido no âmbito do Programa Escolhas 3ª Geração, que mobiliza as escolas do concelho (do 1º, 2º e 3º ciclos e do nível Secundário), a Câmara Municipal, a Associação In Loco e as Associações de Pais e Mães, e que permite realizar actividades tão importantes como o Orçamento Participativo das Crianças e Jovens, o Festival
Intercultural e o funcionamento de dispositivos de apoio ao desenvolvimento pessoal e social de crianças e jovens em risco;
• a já referida criação do CLAII de São Brás de Alportel, assente num protocolo entre o ACIME, a Câmara Municipal e Associação In Loco, que retoma, aprofunda e alarga o trabalho com os imigrantes, desenvolvendo múltiplas frentes de intervenção, informação sobre a lei da nacionalidade, apoio à regularização da situação social e profissional, sensibilização do tecido empresarial e dos serviços públicos para a inserção profissional regular e a integração social das pessoas imigrantes, encaminhamento de processos de reconhecimento e certificação profissional e escolar, enquadramento da criação de associações de imigrantes, promoção do empreendedorismo de imigrantes;
• a própria Rede de Voluntariado, que integra pessoas vindas de horizontes muito diferenciados, em termos sociais, profissionais e institucionais, e acolhe ideias de projecto muito variadas, quer sejam trazidas por pessoas ou grupos de pessoas que nela se envolvem, quer sejam avançadas por entidades com que colabora. Com esta ou outra designação, os Encontros Comunitários vão certamente continuar, uma vez que se inserem numa linha de experimentação social já consolidada e constituem, reconhecidamente, um dispositivo com potencial de animação e mobilização de pessoas e entidades para a acção em torno de questões centrais para o território.

Rede de voluntariado

Conceito

Uma Rede de Voluntariado é um dispositivo que reúne e mobiliza pessoas para a prestação benévola de acções de interesse social, procurando dar resposta adequada a necessidades não satisfeitas. A Rede de Voluntariado pensada como instrumento de Animação Cidadã tem duas características que a tornam distinta:
• inscreve-se num território preciso, aquele em que se visa criar uma dinâmica de animação social;
• confere à prestação voluntária o estatuto de intervenção qualificada para a mudança.
Inscrever a Rede de Voluntariado num território significa que o território em causa é:
• o seu espaço de prestação exclusiva;
• o seu espaço privilegiado de recrutamento de voluntárias e voluntários.
Falar da prestação voluntária como intervenção qualificada para a mudança, significa que a pessoa voluntária coloca a sua disponibilidade individual para a prestação de voluntariado ao serviço de um processo de transformação do território em que vive e actua. Como facilmente se compreende, estas duas características são complementares:
• a territorialização da rede, ao requerer a detecção de necessidades e oportunidades e a descoberta e potenciação dos recursos existentes no território, dota a pessoa voluntária de um conhecimento orientado para a intervenção sobre aquele espaço de acção (um conhecimento operativo que se vai progressivamente afinando);
• a adesão a um processo de transformação social ganha corpo e sentido através da decisão de investir no seu próprio território, que se assume, cada vez mais, como espaço de vida e de acção.
A Rede de Voluntariado assim concebida e posta em prática é um instrumento de acção social e solidária, de animação cidadã e de criação de identidade territorial. Uma Rede de Voluntariado tem de contar com um dispositivo de gestão funcional, que assegure a articulação entre as necessidades das pessoas e instituições beneficiárias e as opções, preferências e disponibilidades das pessoas prestadoras de voluntariado. O dispositivo de gestão de uma Rede de Voluntariado com a ambição de constituir um instrumento de Animação Cidadã tem de cumprir essa função de uma forma específica. A especificidade em causa traduz-se na forma como se realiza o tratamento das necessidades, do lado da procura, e se visa a modulação territorial das prestações, do lado da oferta. Não basta detectar, caracterizar e clarificar as necessidades relativamente às quais se pretende intervir, tem de se procurar garantir que, em termos do território:
• a detecção é abrangente e extensiva, assegurando a cobertura de toda a área geográfica e dos diferentes grupos sociais;
• a caracterização é rigorosa, permitindo situar as necessidades no quadro das relações familiares, de vizinhança, institucionais … em que se inscrevem;
• a clarificação pondera os posicionamentos, as possibilidades de acção e as esferas de influência de todas as entidades que aí operam e são pertinentes relativamente às necessidades em análise. Não basta organizar prestações que respondam às necessidades, é fundamental garantir a sua modulação territorial.
Para o fazer é necessário que:
• os dados fornecidos pela detecção, caracterização e clarificação realizadas sejam perspectivados territorialmente;
• a resposta a uma necessidade seja também um meio de recriar o tecido social local.
O primeiro ponto força o dispositivo de gestão a confrontar-se com muitas questões. Algumas delas, a título de exemplo:
• com que critérios estabelecer prioridades na prestação de um serviço, quando a capacidade de resposta existente é inferior à procura?
• existe no mercado resposta para um determinado tipo de necessidade detectada?
• se existe, as pessoas que sentem esse tipo de necessidade têm acesso a essa resposta? (em termos económicos, de facilidade de transporte ou outros)
• a prestação voluntária não pode desresponsabilizar familiares ou outras pessoas com obrigação e capacidade de dar resposta?
• existe um serviço público com vocação para responder a uma necessidade detectada, mas que não o está a fazer?
• nesse caso, deve responder-se ou procurar levar o serviço a assumir a prestação pretendida?
Claro que estas questões se colocam no interior de qualquer rede, só que adquirem uma acuidade acrescida no caso de uma Rede de Voluntariado empenhada na Animação Cidadã, uma vez que ecoam no espaço do território de intervenção e interpelam os equilíbrios locais. O segundo ponto não exige apenas a convergência entre o perfil desejado para a pessoa ou pessoas prestadoras - em termos de competências emocionais, técnicas, de relacionamento institucional… - e a pessoa ou pessoas mobilizáveis -em termos de gosto, de disponibilidade, de proximidade social, cultural, geográfica… Esse tipo de ajuste é procurado no âmbito de qualquer rede que procure funcionar com rigor.
Para que as prestações voluntárias recriem o tecido social local é necessário projectá-las, pô-las em prática e vivê-las como uma forma de redescobrir laços de vizinhança, de reconstruir sentimentos de pertença, de reinventar práticas de solidariedade, de reformular identidades sociais e culturais. O dispositivo de gestão de uma Rede de Voluntariado empenhada na Animação Cidadã tem de assegurar outras funções para além da articulação entre as necessidades detectadas e as prestações voluntárias.
Algumas delas estão associadas a essa função operativa central, como:
• acolher e analisar a candidatura das pessoas interessadas em ser voluntárias; mobilizar novas adesões à rede;
• acolher as solicitações de prestações voluntárias, oriundas de instituições ou de particulares;
• garantir que as prestações são realizadas em espírito de respeito e valorização das pessoas e instituições beneficiárias.
As restantes podem ser repartidas entre as funções que se voltam para o interior da própria rede e as que procuram garantir a sua articulação com a envolvente institucional.
Relativamente às primeiras, são primordiais as funções centradas no enquadramento e formação dos elementos da rede, que podem ser explicitadas do seguinte modo:
• enquadrar, encaminhar, acompanhar e mobilizar as pessoas voluntárias;
• promover oportunidades de formação estruturada e contínua para pessoas que pretendem desenvolver ou já desenvolvem trabalho voluntário;
• criar espaços em que as pessoas voluntárias possam partilhar as suas vivências e convertê-las em aprendizagens e conhecimentos, num percurso de auto, hetero e eco-formação.
Pode dizer-se que, em termos de enquadramento e formação, o trabalho a realizar com as pessoas voluntárias deve comportar momentos de formação formal e não formal, inscrevendo uns e outros num processo global de educação informal. Se as acções de formação formal veiculam conhecimentos e proporcionam aprendizagens técnicas essenciais, os momentos de educação não formal permitem às pessoas envolvidas constituir-se enquanto grupo que constrói um projecto colectivo. E ao falar de processo global de educação informal pretende-se significar, na linha da pedagogia institucional, a transformação de toda a rede, e do seu funcionamento, no meio privilegiado de perseguir os objectivos pedagógicos fixados. Relativamente à componente de articulação da rede com o seu exterior, vale a pena relevar as seguintes funções:
. • accionar a divulgação das iniciativas bem sucedidas, assegurando visibilidade e reconhecimento social à rede, ao voluntariado e às pessoas que o realizam;
• sensibilizar pessoas e entidades para a necessidade, a utilidade e o potencial do voluntariado, procurando mobilizar novas adesões à rede;
• motivar a organização comunitária e a cooperação empresarial, com vista à implementação de estratégias locais de promoção da cidadania consciente e solidária.
A última função assume, de forma inequívoca, a dimensão territorial da intervenção realizada pela Rede de Voluntariado empenhada na Animação Cidadã e afirma, claramente, a sua implicação num processo de transformação social. Se um dispositivo de gestão é chamado a desempenhar um papel tão crucial na criação, funcionamento e consolidação da rede, é essencial pensar no processo da sua constituição. Se um dispositivo de gestão é chamado a desempenhar um papel tão crucial na criação, funcionamento e consolidação da rede, é essencial pensar no processo da sua constituição. Poderá haver diferentes vias para o conseguir, mas será sempre essencial que o processo reúna as seguintes condições:
• compreensão alargada da necessidade e das funções do dispositivo de gestão;
desenvolvem trabalho voluntário;
• mobilização das pessoas e entidades do território interessadas na sua constituição;
• fomento da participação activa de todas as pessoas e entidades envolvidas, implicando-as na concepção, tomada de decisão, concretização e avaliação;
• fornecimento regular de informação sobre o processo de constituição a todas as pessoas e entidades que não estão directamente envolvidas;
• avaliação permanente dos resultados e introdução das alterações que sejam consideradas pertinentes.
Por outras palavras, também a criação e afinamento do dispositivo de gestão tem de constituir um processo de animação cidadã, mobilizador, transparente, participado e criativo. Um outro aspecto importante da rede prende-se com os tipos de prestação que pretende assegurar. Neste campo, as hipóteses de trabalho são extremamente variadas.
Uma Rede de Voluntariado empenhada na Animação Cidadã tem também múltiplas possibilidades. No entanto, o essencial é que a opção resulte da convergência entre:
• as necessidades que no território permanecem insatisfeitas;
• as disponibilidades e gostos das pessoas que se dispõem a investir o seu tempo, energia e capacidades no trabalho voluntário;
• o intuito de promover a criação de laços de solidariedade e pertença no quadro de um território.
Assim sendo, cada rede assumirá uma configuração única, função da especificidade do território em que se inscreve e em que se propõe intervir. Um último aspecto a ponderar é o da perenização da rede de voluntariado, particularmente se é criada no âmbito de um projecto financiado por instâncias externas ao território de intervenção. Não há uma resposta única, nem definitiva. A solução tem de ser encontrada para cada caso e em continuidade. Como a rede só faz sentido se for um projecto, uma dinâmica, não basta mantê-la em funcionamento, é fundamental criar condições para que possa evoluir, adaptar-se, reformular-se, continuar a experimentar… Nesse sentido, é imprescindível apostar, desde o início, na capacitação das voluntárias e voluntários e na consolidação do dispositivo de gestão, com vista a favorecer a apropriação colectiva do projecto pelas pessoas que o protagonizam e a progressiva autonomia da estrutura. As soluções institucionais podem ser diversificadas, mas talvez a melhor forma de traduzir a autonomia pretendida passe pela constituição da rede como entidade com personalidade jurídica, dotada de órgãos e de mecanismos de auto-regulação. A Rede de Voluntariado como instrumento de Animação Cidadã para a Acção Solidária tem de ser pensada e concretizada como um projecto que procura, activamente:
• apostar no desenvolvimento pessoal e social dos seus elementos e na sua formação técnica especializada;
prestar serviços úteis e gratificantes para quem deles beneficia e para quem os fornece;
• promover a cidadania e o sentido de pertença a uma comunidade, em utentes e agentes prestadores;
• criar e recriar laços de sociabilidade e de generosidade que configurem um território mais coeso e solidário.
Sem esta base de entendimento por parte da entidade ou da parceria que lança a Rede, perde-se a dimensão da animação cidadã e a perspectiva territorial e, em casos extremos, pode correr-se o risco de lançar um dispositivo assistencialista que dispensa ajuda aos necessitados e ocupação a algumas almas caritativas, reforçando dependências
e alimentando pequenos poderes.

Historial

Lançamento da Rede

A Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de São Brás de Alportel assumiu a coordenação desta actividade central em termos de Animação Cidadã para a Acção Solidária.A Rede de Voluntariado de São Brás foi constituída na sequência do 1º Encontro Comunitário do Projecto São Brás Solidário, que teve lugar no dia 2 de Fevereiro de 2006, no Salão Nobre da Câmara Municipal, e recebeu a designação “Uma Rede de Voluntariado para o Concelho”. Este encontro comunitário representou o culminar de um processo de exploração do território por parte da equipa do projecto e de auscultação das entidades locais. De facto, de Outubro a Dezembro de 2005, as técnicas e técnicos do projecto procuraram estabelecer um contacto directo, afectivo mesmo, com o espaço físico e social do concelho, esquadrinhando-o de lés e lés, visitando todas as aglomerações e localidades, ouvindo e sentindo as pessoas com que se cruzavam.As deslocações permitiram:
• identificar as diferenças entre as várias povoações (dimensão, tipo de habitação, tipo de habitantes, actividades existentes…);
• perceber a dimensão da área agrícola (agricultura de subsistência);
• conhecer o comércio local;
• localizar no espaço concreto todas as associações existentes;
• identificar as infra-estruturas presentes nas povoações;
• aperceber-se da distância entre as pequenas povoações e entre estas e a vila;
• dar conta do tempo necessário para as percorrer;
• conhecer o estado das estradas;
• detectar a assistência prestada aos habitantes e os organismos que a prestam.
Paralelamente, foram estabelecidos contactos e ouvidos os serviços públicos e as entidades privadas com intervenção no concelho, independentemente do seu sector de actividade (social, recreativo, desportivo, ambiental, ou outro).
O processo de prospecção tornou possível:
• divulgar o projecto São Brás Solidário;
• conhecer melhor as entidades, as suas iniciativas e dificuldades;
• apresentar a ideia da criação da Rede de Voluntariado e explorar as reacções;
• detectar necessidades de intervenção;
• proceder ao levantamento dos recursos que cada entidade poderia disponibilizar, nomeadamente para futuras actividades da rede;
• sensibilizar as pessoas contactadas para participarem no processo de criação da rede e envolverem outros elementos também;
• dar a conhecer a necessidade de criar um núcleo gestor da rede e mobilizar os elementos mais dinâmicos e empenhados para nele se integrarem.
Na perspectiva da equipa, era essencial conquistar a adesão das pessoas e das instituições, para que a rede não fosse uma mera actividade do projecto, sem implantação e visibilidade no imediato e sem garantia de sustentabilidade no futuro.
O Encontro Comunitário funcionou como um momento-charneira entre o processo de exploração realizado e a dinâmica de criação efectiva da rede. Para o efeito, o programa integrou:
• a apresentação do balanço sobre o trabalho desenvolvido anteriormente com vista à criação da rede;
• o fornecimento de uma imagem concreta e emotiva do que pode ser o voluntariado, através do testemunho de diversas pessoas, voluntárias e uma beneficiária de prestações;
• uma reflexão conjunta sobre o que poderia ser uma rede de voluntariado em São Brás;
• um apelo à pré-inscrição na rede e à adesão ao seu núcleo de gestão.
No final do Encontro Comunitário, 19 pessoas efectuaram a sua pré-inscrição na Rede de Voluntariado e várias outras manifestaram interesse em participar na primeira reunião do futuro núcleo de gestão.

Constituição do núcleo de gestão

Onze dias depois do Encontro Comunitário – acontecimento que marcou o nascimento da Rede de Voluntariado de São Brás de Alportel – reuniu-se pela primeira vez um grupo de 9 pessoas, com o objectivo de criar e fazer funcionar o núcleo de gestão da rede. Para além de 2 elementos da equipa do projecto – a Coordenadora da Actividade e a Coordenadora Global do São Brás Solidário – estiveram presentes mais 7 pessoas, a título individual e não enquanto representantes de entidades. Este facto resultou do posicionamento de cada participante, não foi imposto. No entanto, a circunstância correspondeu ao desejo da equipa, de não ver a futura rede instrumentalizada por uma ou várias entidades. As funções e forma de funcionamento deste dispositivo não estavam definidas, devendo ser encontradas, ou seja, produzidas, através de um processo experimental que exigia a quem nele participasse vontade e disponibilidade para pensar, ensaiar, avaliar, reformular e recomeçar. Sucederam-se 5 reuniões entre meados de Fevereiro e Maio de 2006, em que se deu início à estruturação da rede, realizando em conjunto as seguintes tarefas:
• consensualização de princípios orientadores do trabalho voluntário;
• validação de instrumentos, como a ficha de caracterização da pessoa voluntária;
• análise das áreas de interesse das pessoas candidatas à prestação de trabalho voluntário;
• reflexão sobre propostas de projectos de intervenção assentes em trabalho voluntário (como a constituição de um Banco Alimentar e a criação de um serviço de realização de pequenas reparações em casas de pessoas carenciadas);
• preparação do processo de caracterização e clarificação de necessidades de trabalho voluntário, a levar a cabo junto das entidades do concelho;
• análise dos dados obtidos;
• reflexão sobre a formação das pessoas candidatas à Rede de Voluntariado.

Reformulação do núcleo de gestão

Embora cada nova reunião ficasse marcada na anterior, houvesse a preocupação de divulgar a data fixada através dos jornais locais e da Agenda Municipal e se procedesse ao contacto telefónico com cada uma das pessoas que já tinha participado numa das reuniões efectuadas até ao momento, o que é certo é que se começou a verificar uma
grande variabilidade na participação dos diferentes elementos nas reuniões do núcleo de gestão. Ao todo estiveram envolvidas 20 pessoas nesta fase, mas só 2, para além dos elementos da equipa técnica, estiveram presentes em todas as reuniões. A constatação de que não estava a ser possível estabilizar um grupo, tornou evidente a necessidade de repensar a estruturação do núcleo. Foi assim que, depois de ter funcionado durante cerca de 4 meses com um grupo constituído exclusivamente por pessoas a título individual – a que se juntavam a Coordenadora da actividade Rede de Voluntariado e a Coordenadora Global do Projecto São Brás Solidário – se decidiu reforçar e formalizar o núcleo com representantes das 5 entidades parceiras. O dispositivo passou a contar com 11 pessoas (7 em representação de entidades e 4 a título individual), mas permaneceu aberto à adesão de novos elementos, individuais ou representantes de entidades. Constatações:
• a maior parte das pessoas mobilizadas para a Rede de Voluntariado não manifestou qualquer apetência para integrar o núcleo de gestão;
• parte delas tinha mesmo dificuldade em pensar a participação no núcleo como uma prestação voluntária entre outras;
• à excepção de 4, as pessoas que mostraram interesse em integrar o núcleo não conseguiram assegurar uma participação mais ou menos regular neste dispositivo.
Com base no que se passou, é de supor que o prolongamento da experiência não teria conduzido à estabilização do núcleo, podendo levar mesmo à completa desmobilização das pessoas inscritas como voluntárias, desejosas de entrar em acção e incapazes de compreender e aceitar o tempo que medeia entre o lançamento da ideia e o arranque das
prestações. Quererá isto dizer que as pessoas não estão maduras para um processo participado de construção, passo a passo, de uma estrutura de gestão? É plausível que a maior parte delas, quando se integra no sistema, não esteja preparada, nem desejosa de o fazer. E se assim for, é mais sensato trabalhar com as que estão disponíveis para essa tarefa e envolver as restantes nas actividades que são do seu interesse. A abertura das últimas para a possibilidade de assumirem funções de gestão e a sua capacitação para as desempenhar adequadamente poderão surgir como resultado da formação permanente que tem de constituir a participação no sistema (neste caso, o exercício do voluntariado no quadro da rede).Esta abordagem repousa no entendimento da participação como um processo de construção complexo, envolvendo dimensões diferenciadas:
• quantitativas, como o alargamento do número de pessoas envolvidas;
• qualitativas, como o controle crescente de uma função;
• intensivas (poder-se-ia dizer, afectivas), como o acréscimo de investimento e de responsabilização;
que se entrecruzam a níveis de exigência bem diferenciados:
• realizar (uma tarefa),
• planear (uma actividade),
• coordenar (um grupo),
• gerir (um projecto),
• dirigir (uma estrutura).

Formação das voluntárias e voluntários

Em Junho de 2006 arrancou a primeira formação inicial de candidatas e candidatos ao voluntariado, tendo sido realizadas 2 acções em simultâneo. Com a duração de 8 horas, a formação abordou os seguintes pontos:
• Noção de voluntariado
• Breve historial do voluntariado
• Realidade do voluntariado actual e perspectivas para o futuro
• Comunicação
•O Eu (auto-conceito; auto-estima)
• O Grupo (vantagens do trabalho em grupo;a equipa)
• Enquadramento Jurídico do Voluntariado.
Esta formação foi repetida mais tarde, de modo a assegurar a preparação inicial de novas voluntárias e voluntários, sofrendo apenas pequenas alterações, que lhe conferiram um carácter mais prático e de imersão imediata na realidade do voluntariado.
Na sequência da primeira formação, foi aproveitada a disponibilidade de alguns profissionais da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários para ministrar, a título benévolo, uma nova formação, desta vez em Suporte Básico de Vida - Adulto.
Também esta formação foi repetida, tendo sido realizadas 3 acções, com uma duração total de 12 horas cada uma, que contemplaram o seguinte programa:
• Sistema Integrado de Emergência Médica (INEM);
• Suporte Básico de Vida – Adulto (teoria e prática);
• Desobstrução da Via Aérea – Adulto;
• Hemorragias e seu controle;
• Queimaduras;
• Caixa / mala de primeiros socorros;
• Estudo de casos práticos.
O contacto das voluntárias e voluntários com os elementos da corporação que asseguraram a formação teve vantagens recíprocas: - os elementos da rede:
• puderam desenvolver competências essenciais para quem lida permanentemente com pessoas, nomeadamente com pessoas idosas e vulneráveis;
• passaram a conhecer melhor a associação dos bombeiros e a respeitar mais profundamente o seu trabalho;
- os bombeiros, pelo seu lado,:
• descobriram a Rede de Voluntariado e os seus elementos;
• sentiram-se valorizados e úteis.
Esta experiência pesou no momento de decidir o local para a realização da 1ª Feira da Solidariedade, dado que a equipa do projecto sentiu que seria bom contribuir para uma maior visibilidade e consagração do papel da Associação de Bombeiros na comunidade.
Mais tarde, para dar início ao ciclo das formações mais especializadas, alguns voluntários e voluntárias frequentaram uma acção sobre parentalidade, promovida por uma das entidades parceiras, a Associação Nacional de Jovens para a Acção Familiar, em colaboração com a Rede de Voluntariado. Novas acções especializadas se irão seguir, de modo a preparar as voluntárias e os voluntários para um correcto desempenho de funções que exijam competências técnicas específicas.

Educação não formal e informal

A estratégia de enquadramento, mobilização e capacitação das voluntárias e voluntários não se centrou apenas na formação formal, apostou também numa intervenção mais orgânica, mais próxima do funcionamento quotidiano da própria rede. O dispositivo central dessa intervenção é a reunião geral de voluntárias e voluntários, organizada com uma periodicidade quinzenal e animada pela coordenadora da actividade Rede de Voluntariado. O encontro funciona como uma reunião, um espaço de convívio e um momento de partilha de ideias e de experiências, onde se aprende a ser e a construir a rede. As reuniões permitem apresentar sugestões, esclarecer dúvidas, discutir propostas, definir estratégias, planear intervenções, avaliar resultados… mas também, conhecer-se e dar-se a conhecer, compatibilizar diferenças, potenciar complementaridades… e ainda, aprofundar a compreensão do que é o voluntariado, afinar a percepção do território, organizar a solidariedade… Para além das reuniões gerais, a rede propõe às voluntárias e voluntários outros processos de integração e aprendizagem, muito informais, mas não menos eficazes em termos formativos. Dois apenas:
• participação na Feira da Solidariedade, através da organização do seu próprio espaço de exposição e venda e da montagem da operação de recolha de alimentos à entrada do recinto;
• planeamento e concretização da operação de limpeza, pintura e arranjo da casa de apoio às actividades da rede.

Regulação do funcionamento

A partir de Julho de 2006, com o núcleo de gestão já estabilizado e reforçado, sentiu-se a necessidade de dotar a Rede de Voluntariado de um regulamento. A pedido do núcleo de gestão, a Coordenadora da actividade Rede de Voluntariado preparou uma proposta coerente, procurando integrar as contribuições dos restantes elementos. O documento voltou ao colectivo para discussão e reformulação, sendo depois aceite pelo conjunto de elementos que integram o núcleo de gestão, antes de ser submetido à aprovação das voluntárias e voluntários que integram a rede.

Casa de Apoio

Nos seus múltiplos contactos, a equipa do projecto conheceu a dona de um prédio devoluto, de três pisos, situado no centro da vila de São Brás. O carácter solidário da proprietária, entretanto conquistada pelo projecto da Rede de Voluntariado, levou-a a pôr à disposição da estrutura o imóvel, uma vez que não tinha ideia de o vender, nem alugar. O núcleo de gestão e as voluntárias e voluntários aceitaram com entusiasmo este apoio e começaram a organizar-se para proceder à limpeza, pintura interna e arranjo de um andar, destinado a armazenar as ofertas de móveis, roupas e outros equipamentos.
Uma brigada de 21 pessoas, equipada com o instrumental adequado e uma dose superlativa de energia e boa disposição, removeu trastes, retirou entulho, limpou pavimentos, lavou paredes e janelas. Numa segunda rodada, com a tinta solicitada à Câmara Municipal, foi ainda possível pintar as paredes. A generosidade de mais alguns
colaboradores da rede permitiu colocar cortinas e instalar estantes para receber e organizar as dádivas.

Áreas de actuação

Pensada como um instrumento de animação e mobilização de pessoas e entidades para o exercício da solidariedade e para a recriação dos laços sociais no concelho de São Brás, a Rede de Voluntariado não está confinada a uma área de prestação, uma vez que tem de acolher, em simultâneo:
• as necessidades não satisfeitas, sempre em mudança e por isso objecto de um processo contínuo de detecção;
• as apetências de prestação por parte das pessoas que chegam de novo e aderem à estrutura.
Neste quadro, as prestações da rede são de dois tipos:
• correspondem a trabalho efectuado por voluntárias e voluntários disponíveis para responder a desafios lançados pelo próprio núcleo de gestão; exemplo – acompanhamento e apoio a pessoas idosas ou isoladas;
• resultam da iniciativa de grupos de voluntárias e voluntários mobilizados para o desenvolvimento de projectos; exemplo – enquadramento técnico de docentes e discentes da Escola Secundária na realização de actividades de jardinagem.
Até ao presente, arrancaram as seguintes prestações com carácter de regularidade:
• recolha de alimentos, organização de cabazes e sua distribuição por famílias carenciadas;
• recolha e distribuição de móveis, roupas e outros equipamentos;
• apoio e acompanhamento de pessoas idosas ou isoladas;
• enquadramento de alunas e alunos de duas turmas da Escola Secundária na realização de actividades de jardinagem no seu estabelecimento de ensino.
No que diz respeito à recolha de alimentos, a Rede de Voluntariado abriu-se à colaboração com crianças e jovens do Projecto @ventura (desenvolvido por uma parceria local alargada, no âmbito do Programa Escolhas 3ª Geração). A participação regular destes jovens elementos nas campanhas organizadas constitui um exercício de cidadania activa e solidária, no presente, e uma promessa de continuidade da rede, no futuro. A Rede de Voluntariado articulou, ainda, com o Banco Alimentar do Algarve, garantindo a possibilidade de distribuir, pelas famílias carenciadas do concelho, cabazes enriquecidos com produtos providenciados pela estrutura regional. Para além das prestações já estabilizadas, estão em fase de preparação ou de arranque novos projectos:
• realização de actividades de animação e estimulação de crianças e jovens, nomeadamente em locais fora da vila;
• consultoria para mães, pais e pessoas encarregadas da educação de crianças e jovens, a fornecer através da Internet por um núcleo multidisciplinar de especialistas;
• iniciação à informática de pessoas mais velhas, com o envolvimento activo das suas próprias crianças enquanto elementos de apoio. A partir da conclusão do Projecto São Brás Solidário, estas duas últimas entidades assumem o pagamento da técnica
A rede espera poder abrir mais frentes, porque desse modo estará a contribuir para que outras necessidades não que coordenou o lançamento e estruturação da rede, para que garanta apoio técnico ao esforço de autonomização satisfeitas obtenham resposta e a criar espaços mobilizadores para o investimento solidário de pessoas e grupos definitiva da estrutura. muito diversificados. Entretanto, a Rede de Voluntário colabora regularmente com serviços públicos e associações locais, para além de funcionar de forma articulada com o Banco Alimentar do Algarve.

O futuro da Rede de Voluntariado

A continuidade da Rede, findo o projecto São Brás Solidário, começou a ser trabalhada atempadamente durante o Balanço período de intervenção. Este esforço foi desenvolvido a dois níveis
• o da formação das voluntárias e voluntários para a autonomia;
• o da procura de apoios institucionais para garantir suporte e enquadramento à rede.
Relativamente ao primeiro ponto, o que foi dito anteriormente sobre formação e enquadramento das voluntárias e voluntários permite compreender de que modo se procurou capacitar as pessoas para assumirem, progressivamente, a responsabilidade de animar e fazer funcionar a Rede de Voluntariado.Neste quadro, a realização quinzenal das reuniões gerais e o número significativo de elementos da rede que nelas se envolve de forma activa e empenhada dão garantias de continuidade: as voluntárias e os voluntários estão disponíveis para as prestações e investem no esforço de concepção, planificação, organização e avaliação das intervenções levadas a cabo pela estrutura em que se integram. Relativamente ao segundo ponto, a Rede de Voluntariado de São Brás de Alportel vai enquadrar-se na Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários e beneficiar de uma articulação com a Junta de Freguesia e com a Câmara do concelho
A partir da conclusão do Projecto São Brás Solidário, estas duas entidades assumem o pagamento da técnica que coordenou o lançamento e estruturação da rede, para que garanta apoio técnico ao esforço de autonomização definitiva da estrutura. Entretanto a Rede de Voluntariado colabora regularmente com serviços públicos e associações locais, para além do funcionar de forma articulada com o Banco Alimentar do Algarve.

Balanço

A rede de voluntariado é uma realidade reconhecida como instrumento de mobilização de cidadãs e cidadãos para o exercício da solidariedade activa e recriação do tecido social. Prova disso são, entre outros, os seguintes factos:
• o número significativo de pessoas inscritas como voluntárias até ao presente (93, das quais 78 mulheres e 15 homens);
• a preocupação de fornecer à rede um quadro institucional de inserção, que levou a Associação dos Bombeiros Voluntários a tomar a decisão de a acolher, após a conclusão do projecto, como mais uma valência da entidade;
• o desejo de garantir a continuidade e aprofundamento da sua dinâmica, que conduziu a Câmara e a Junta de Freguesia a assumir o pagamento de uma técnica para prosseguir o processo de capacitação das voluntárias e voluntários e de autonomização da estrutura; • a capacidade de articulação da rede com outras realidades e intervenções, como o Banco Alimentar do Algarve dos bombeiros, procure a sua pró-levadas a cabo pela estrutura em que se integram. ou as crianças e jovens que o Projecto @ventura mobiliza para a participação nas campanhas de recolha de alimentos;
• o número de pessoas envolvidas, com regularidade, na prestação de serviços (a título de exemplo, cerca de 50 participantes nas campanhas de recolha de alimentos);
• o impacto da intervenção levada a cabo, que já atinge 304 beneficiárias e beneficiários, no cômputo geral das pessoas abrangidas pelos diferentes tipos de prestação.
No entanto, há muito a fazer para garantir a continuidade, a consolidação e a vitalidade da rede. É que não basta que exista e seja forte, tem de constituir um instrumento de animação cidadã ao serviço da produção de um tecido social coeso e solidário e da afirmação de uma identidade cultural mobilizadora e criativa.Para isso, é essencial continuar a investir nos seguintes eixos de trabalho:
• formação contínua das voluntárias e voluntários, numa perspectiva de capacitação técnica, humana e cívica;
• mobilização de mais pessoas para a prestação dentro das frentes já criadas, com o objectivo de responder a todos (voluntária) os casos de necessidade detectados;
• abertura de novas frentes de trabalho (como a cultural e a ambiental, por exemplo), para responder a outras necessidades existentes e para atrair novas pessoas ao voluntariado (como, por exemplo, mais homens e mais jovens);
• fomento da total apropriação da rede pelas voluntárias e voluntários, com vista à completa autonomia da estrutura e do seu núcleo de gestão.

Mercado Solidário

Conceito

O Mercado Solidário corresponde à designação dada no âmbito do Projecto São Brás Solidário a uma experiência de trocas com recurso a uma moeda social. Ora, a compreensão do conceito ganha outra perspectiva com o seu enquadramento no âmbito da Economia Solidária. A Economia Solidária é uma forma de economia que aposta na produção de bem-estar colectivo, em detrimento Economia solidária da acumulação de riqueza em poucas mãos. As pessoas envolvidas ajudam-se mutuamente, procuram uma justa distribuição do lucro e promovem a participação activa de todos os elementos, com vista a um funcionamento social solidário e democrático. Para a organizar é necessário que:
• a produção promova o uso eficiente dos recursos e fomente a cooperação entre as pessoas produtoras, permanentemente destruída pelo actual sistema de forma automática;
• a comercialização seja justa, eliminando custos inúteis, como a intermediação desnecessária, e atendendo às condições de produção do que se comercializa, de modo a fomentar um novo modelo de economia sem exploração entre as pessoas e em harmonia com a natureza;
• o consumo seja ético, favorecendo a reciclagem e a utilização dos recursos locais e tendo em conta que, no actual estado de concentração da riqueza, cada acto de consumo é um acto político que promove um dos dois modelos de economia: ou concentra ou distribui riqueza.
Os clubes de troca são grupos que se organizam para intercambiar os seus produtos e serviços sem usar o dinheiro oficial. Assim, o dinheiro disponível pode ser utilizado para outras finalidades e as pessoas participantes podem aceder a bens e serviços que de outro modo não estariam ao seu alcance. Sempre se recorreu à troca directa de produtos e serviços sem utilização de dinheiro. Mas esta forma de operar apresenta duas limitações:
• nem sempre quem necessita de alguma coisa pode oferecer algo em troca à mesma pessoa que produz aquilo de que necessita;
• nem sempre os produtos e serviços trocados têm valor equivalente.
Nos clubes de troca, essas dificuldades são superadas pelo uso de “outra moeda”, que substitui o dinheiro oficial entre
os elementos do grupo.
Na verdade, a moeda apareceu historicamente para remediar este tipo de situações. Com o passar do tempo “evoluiu” e deixou de ser usada só como meio de pagamento e unidade de referência: adquiriu valor de reserva e passou a ser uma mercadoria, transformando-se a sua acumulação em equivalência de riqueza. Para resistir à economia que concentra o dinheiro em poucas mãos, numerosas experiências de economia solidária inventaram a moeda social, uma forma de corrigir a história e devolver ao dinheiro a sua função primitiva de facilitador do intercâmbio entre as pessoas, produtoras e consumidoras. Não é uma forma de regressão, como se poderá pensar: a moeda social representa uma superação dos impasses do sistema financeiro internacional, que desvia o dinheiro da produção e o canaliza para a especulação.
O uso da moeda social é absolutamente legal, dado que é voluntário – ninguém é obrigado a aceitar moeda social – e esta não pode ser depositada no banco para gerar mais dinheiro sem trabalho humano. Não apenas é legal, como constitui uma importante ferramenta das finanças solidárias, em crescimento no mundo inteiro e com experiências muito significativas, tanto no 3º Mundo como em países ditos de economia avançada.
Na verdade, nos últimos vinte anos começaram a aparecer diferentes formas de fazer transacções sem dinheiro, seja através de um sistema de contas em que cada pessoa tem direito a certa quantidade de débito (dívida) e certa quantidade de crédito (poupança), seja pela utilização de vales ou bónus emitidos, distribuídos e controlados pelas pessoas participantes. Os LETS (Local Exchange Trade System), iniciados por Michael Linton em 1982, em Vancouver (Canadá), constituíram uma experiência pioneira, tendo sido disseminados em Inglaterra, Escócia, Noruega, Finlândia, Bélgica, Holanda, França, Austrália e Nova Zelândia. Em 1992, apareceram as HORAS de Ithaca (Estados Unidos), impulsionadas por Paul Glover, como forma de promover o desenvolvimento local. Hoje existem mais de 700 iniciativas similares só nesse país. A definição de dinheiro dada pelo economista Bernard Lietaer, um dos autores da moeda oficial europeia e promotor entusiasta das moedas sociais, torna as coisas ainda mais claras: o dinheiro é um acordo que se estabelece dentro de uma comunidade para utilizar algo como meio de pagamento. Hoje o dinheiro falta porque as pessoas comuns estão a perder o direito a um trabalho digno e o circuito financeiro o vai sugando, enquanto os bancos fabricam mais dinheiro que se transforma em … mais dinheiro ainda! Mesmo desconhecendo o labiríntico mundo dos bancos, compreende-se que a sociedade já convive com muitos “dinheiros” de empresas privadas! Se assim é, porque não utilizar a moeda social entre os que precisam desta ferramenta e os que podem, através dela, efectuar aprendizagens essenciais sobre o funcionamento da moeda e do mercado convencional? A organização de um clube de trocas exige a constituição de uma bolsa de pessoas interessadas em trocar entre si bens e serviços que elas próprias produzem ou prestam. Cada uma destas pessoas assume o estatuto de prossumidora, sendo, simultaneamente, produtora de bens e/ou prestadora de serviços e consumidora de bens e serviços. Esse conjunto de pessoas tem de ser suficientemente alargado e diversificado para garantir uma oferta rica e variada de bens e serviços, tornando o clube mais atractivo e útil, em termos de socialização entre os elementos envolvidos, de consumo e de partilha cultural.A organização das sessões de trocas exige a realização de uma grande multiplicidade de tarefas:
• levantamento do que cada pessoa participante propõe como oferta e do que procura, com o objectivo de ir criando um circuito em que as necessidades e expectativas encontram resposta satisfatória;
• obtenção de um espaço que ofereça boas condições de funcionamento (possibilidade de instalar os bens e os serviços, apoio de sanitários, alguma privacidade …);
• marcação de datas e horários para o funcionamento das sessões de trocas, tendo em conta as disponibilidades e as preferências das pessoas participantes;
• criação de áreas para a exposição dos produtos e para a prestação de serviços, tendo em conta os requisitos a observar (acesso a electricidade, colocação de expositores, vitrinas, mesas e cadeiras, instalação de marquesas e outros equipamentos, garantia de recato e tranquilidade …);
• preparação da moeda social que servirá de padrão para a realização das trocas, em quantidade suficiente para o número de pessoas participantes envolvidas;
• constituição e capacitação de uma equipa de enquadramento das sessões de trocas, que terá de integrar elementos que assegurem diversas funções gestão da banca e da moeda,
apoio à instalação das pessoas participantes e arranjo dos seus espaços, fornecimento de informações às pessoas que assistem e mostram interesse em saber mais, e sua inscrição
como prossumidoras caso queiram participar no clube, controle da duração do evento e estimulação das trocas, preparação de uma componente de animação, que contribua para conferir às trocas um cunho cultural específico, em função das opções do clube (mais lúdico, mais espiritual, mais pedagógico …),concepção e condução de um momento de reflexão e avaliação final, que permita realizar o balanço do que foi a sessão e discutir propostas de melhoria do funcionamento.

Jornal do clube

É vantajoso contar, em cada sessão, com um pequeno jornal que apresenta as pessoas participantes (identificação, contactos) e dá a conhecer o que trazem e o que procuram. Este jornal, para além de facilitar as trocas no interior da sessão, pode ser um instrumento de apoio à eventual continuação das trocas entre sessões do clube. Cada clube tem de criar a sua própria moeda, com a preocupação de a transformar num instrumento mobilizador pelo seu valor simbólico, estético e afectivo. Ou seja, é importante conferir à moeda uma seriedade que a afaste do estatuto de “dinheiro de Monopólio” e favoreça a sua percepção como peça essencial de um circuito económico
baseado na criatividade, partilha, solidariedade e abundância. A utilização da moeda pode ser muito diversificada, em função do modelo de clube de trocas e do grau de amadurecimento da experiência. Relativamente à circulação da moeda, há duas situações completamente distintas a considerar:
• distribuição e recolha no final de cada sessão;
• distribuição inicial e permanência da moeda nas mãos das pessoas participantes (podendo permitir a continuidade da sua utilização entre sessões e conferindo-lhe o carácter de moeda paralela).
Relativamente ao acesso à moeda, apresentam-se duas possibilidades também:
• entrega de uma certa quantidade de moeda a todas as pessoas participantes, conferindo-lhes a possibilidade de acederem às trocas;
• obtenção das moedas por entrega à banca de produtos ou por assunção de compromisso de prestação de serviços de valor considerado equivalente, permitindo que, no final das trocas, as pessoas participantes com excesso de moeda possam adquirir junto da banca.
No caso de a circulação ser confinada às sessões do clube e de se proceder à entrega inicial de moeda sem encargos para as pessoas participantes – o que representa a opção menos exigente – há igualmente variantes a considerar:
• distribuição da mesma quantidade de moedas a todas as pessoas participantes a cada nova sessão;
• registo, no momento da recolha, do montante com que cada pessoa participante termina as trocas e entrega dessa mesma quantia a cada pessoa na sessão seguinte;
• fixação de um montante máximo a devolver na sessão seguinte, como forma de combater a acumulação de moeda.
Neste campo da utilização da moeda, é possível, e eventualmente aconselhável, começar com formas menos exigentes e evoluir para opções que supõem maior compromisso e requerem maior controlo.
O clube de trocas pode ser associado a outras formas de intercâmbio, para dar lugar à constituição de um sistema mais alargado de trocas solidárias. É possível, por exemplo, assistir à prossecução das trocas entre as sessões do clube, através de:
• multiplicação de trocas directas entre as pessoas participantes;
• prolongamento do recurso à moeda social, para facilitar as transacções e permitir a triangulação dos intercâmbios.
O essencial é iniciar a experiência e permanecer atento ao que vai acontecendo de edição para edição, de modo a:
• evitar a reinstalação sorrateira dos vícios nascidos do nosso funcionamento económico habitual;
• explorar as possibilidades que emergem regularmente.

Historial

Lançamento do Mercado Solidário

No dia 29 de Julho de 2006, teve lugar a primeira edição do Mercado Solidário, tendo a Associação In Loco assumido a coordenação desta actividade no quadro da parceria.
A realização do Mercado Solidário foi sendo adiada pela equipa técnica do Projecto São Brás Solidário, que sentia ser necessário investir numa maior consolidação da Rede de Voluntariado antes de avançar para esta nova frente. Há que reconhecer, também, que a novidade da acção atemorizava quase toda a gente. O lançamento do Mercado Solidário comprovou, uma vez mais, uma coisa que quase toda a gente já sabia: os receios face ao inédito dissipam-se na acção e as respostas só podem ser encontradas à medida que se percorre o caminho. Quanto à possibilidade de o Mercado Solidário poder constituir um factor de dispersão de energias e de distracção dos elementos da Rede de Voluntariado relativamente ao seu trabalho de prestação, veio a verificar-se que representou, pelo contrário, um estímulo adicional e um factor de atracção. Na prática, a equipa deu-se conta da complementaridade e do potencial de reforço mútuo de todas as actividades descritas neste pequeno livro. Daí a emergência do conceito de Animação Cidadã para a Acção Solidária. É de referir, ainda, o contacto estabelecido com uma experiência de clube de trocas, conduzida em Coimbra pela Associação Acção para a Justiça e Paz, e a reflexão e partilha que com os seus elementos foi possível realizar. Este apoio imprevisto (porque desconhecido à partida) constituiu um incentivo poderoso para a equipa se abalançar na experimentação.

Preparação da primeira edição do Mercado Solidário

A preparação do Mercado implicou, como todas as outras actividades do projecto, um trabalho intensivo de prospecção e mobilização. Foi necessário descobrir pessoas disponíveis para uma experiência inovadora, explicar-lhes o que se planeava fazer, ajudá-las a vencer receios e, em alguns casos, pensar com elas o que poderiam oferecer como produtos ou serviços. No caso do Mercado Solidário, a estratégia seguida privilegiou o contacto com pessoas em que se reconhecia abertura e uma postura curiosa e inovadora, na convicção de que estas descobririam novos elementos com características similares. Não pareceu necessário, nem aconselhável, dado o carácter inédito da proposta, proceder a uma prospecção sistemática, confiando na capacidade para, de sessão em sessão, ir conquistando mais pessoas para a esfera do Mercado Solidário. Mesmo assim, a procura de participantes levou a equipa a estabelecer contactos com pessoas inseridas em associações locais, em diversos serviços públicos e escolas, nomeadamente na Escola Secundária, onde se esperava poder vir a interessar elementos do corpo docente e alguns jovens, como de facto veio a acontecer.
Todas as pessoas interessadas foram inscritas e os dados relevantes inseridos numa ficha de caracterização, que contemplava os seguintes pontos:
• identificação da pessoa;
• direcção e contactos;
• produtos ou serviços que traz para o mercado;
• produtos e serviços que gostava de encontrar.
A par do processo de detecção e de preparação de pessoas interessadas em participar na experiência, foi necessário organizar toda a logística do Mercado:
• concepção e edição da moeda (notas de 1, 5 e 10 Solidários);
• arranjo de um local para a realização da sessão;
• delimitação de áreas para as várias acções a desenvolver;
• preparação dos espaços para o funcionamento dos serviços e para a oferta de bens;
• colocação de todos os equipamentos de apoio aos stands de bens e serviços.
A equipa procedeu ainda à adaptação e ensaio de uma pequena peça de teatro, destinada a explicar a função do dinheiro enquanto instrumento facilitador das trocas e a funcionar como um momento lúdico de abertura do Mercado.

1ª edição do Mercado Solidário

A primeira edição do Mercado Solidário, que teve lugar na sede da Associação In Loco, reuniu mais de 30 pessoas e uma oferta muita variada de produtos e serviços. Em termos de produtos, havia sumos naturais, pão caseiro, bolos variados, compotas, roupa, rendas e bordados, bijutaria, objectos em madeira, cadernos e caixas em papel reciclado, quadros com plantas secas e com colagens. Em termos de serviços, era possível beneficiar de vários tipos de massagens (para as mãos, cabeça e ombros, de relaxamento, indiana e desportiva), aceder a um diagnóstico e aconselhamento dentário, ir a uma consulta de feng shui (a milenar arte chinesa de organizar o espaço, particularmente o espaço doméstico), ter uma pintura de unhas ou encantar-se com um contador de histórias. A grande maioria das pessoas esteve presente na qualidade de prossumidora. As outras asseguraram funções de apoio, sem participar nas trocas.
Cada prossumidora ou prossumidor recebeu 40 Solidários no início da sessão, para poder efectuar as suas trocas. Como esta quantia provocou excesso de fluidez monetária, o montante de moeda entregue foi reduzido nas sessões seguintes.
Algumas pessoas presentes admiraram-se com a utilização de uma moeda alternativa – diziam que, afinal, era a mesma coisa que utilizar o dinheiro normal. Logo na altura se voltou a explicar que o não recorrer aos Euros se devia a dois tipos de razões:
• necessidade de colocar todas as pessoas participantes em situação de igualdade em termos de acesso ao consumo;
• desejo de favorecer uma reflexão sobre o valor dos produtos e serviços, a estabelecer em função do tempo gasto na sua produção ou prestação, da qualidade estética da proposta, do seu interesse cultural, da sua utilidade… e menos em relação com o preço de mercado. Outras perguntaram porque não se recorria à troca directa, pura e simplesmente. Procurou-se fazer entender que um sistema de troca directa não permite a triangulação nem facilita a troca de bens e serviços de valor não equivalente. E que exactamente a moeda tinha surgido como instrumento de mediação, chamado a desempenhar um papel imprescindível na evolução do comércio. A fixação do custo em Solidários foi feita por cada participante, tomando como padrão o valor (e não o preço) de 10 Solidários atribuído pela própria produtora a um pão caseiro de tamanho familiar. No início do Mercado, uma pequena peça de teatro e uma curta apresentação teórica serviram de introdução ao conceito e prática das trocas solidárias com recurso a uma moeda social. Findas as trocas e depois de recolhidas as moedas na posse das prossumidoras e prossumidores, as pessoas presentes foram convidadas a reflectir sobre o sentido da experiência vivida e o interesse de a prosseguir e aprofundar. Não foram apresentadas propostas de melhoria, mas houve um claro reconhecimento do potencial do Mercado Solidário e uma manifestação de empenho em realizar novas edições. Com o momento de avaliação incluído, o evento teve uma duração aproximada de 4 horas. Na sequência, o jornal do projecto deu conta desta experiência e lançou o desafio de a prosseguir e alargar, através de uma dinâmica de troca directa entre as pessoas. Como se procurou explicar com um exemplo, seria possível A dar explicações de matemática ao filho de B, que, em troca, fazia limpeza em casa de A. Ou C ensinar guitarra a D, que, em contrapartida, lhe faria traduções para alemão. E por aí fora…

2ª edição do Mercado Solidário

A 2ª edição teve lugar no dia 25 de Fevereiro, no quadro da Feira da Solidariedade (2º dia), no salão principal dos Bombeiros Voluntários. As pessoas participantes distribuíram-se por dois espaços: na área central da feira ficaram os bens e em duas salas do andar superior funcionaram quase todos os serviços. O Mercado decorreu entre as 15 horas e as 17h 30, tendo-se procedido de seguida à rápida desmontagem do dispositivo de apoio às trocas, com o envolvimento activo das pessoas que participaram.
A abertura do Mercado foi feita através da reencenação da peça que tinha sido apresentada na 1ª edição, no intuito pedagógico de favorecer uma reflexão sobre o dinheiro por parte das muitas pessoas presentes e não envolvidas nas trocas, visitantes e elementos das entidades que participaram na Feira. Tendo em conta a anterior experiência de excesso de liquidez, a equipa decidiu distribuir a cada pessoa envolvida um montante de 15 Solidários apenas, de modo a permitir o arranque das trocas.
Nesta edição funcionaram 42 stands, que se distribuíram entre a oferta de agroalimentares (15), de peças de artesanato 15) e de serviços (12). A nível da agroalimentares, houve hortaliças, fruta fresca, frutos secos, azeitonas, azeite, aguardente, mel, filhós, bolachas, biscoitos, bolos, queijos de cabra, ervas condimentares e ervas de chá. O artesanato contou com tecelagem, peças em malha e em tecido, azulejos, peças em gesso e peças em estanho plaquinhas em madeira pirogravadas, rendas e bordados, objectos em cortiça, bijutaria e colagens. Os serviços estiveram presentes com massagem pressel de pernas e massagem pressel de pés, quiromassagem facial e de mãos, massagem de relaxamento com pedras, massagem de alinhamento muscular e tendinoso, técnica metamórfica, acupunctura, tratamento de rosto, pintura de unhas, aconselhamento em fitoterapia e fitocosmética. Antes de começar, as pessoas presentes no mercado como prestadoras de serviços apresentaram o respectivo serviço, para permitir uma percepção mais clara da oferta nessa área e para estimular a procura. Isto porque a experiência da 1ª edição tinha revelado uma relativa inércia na demanda dos serviços. A repetição das edições permitiu compreender que o consumo de serviços tem de ser sempre estimulado, particularmente junto dos elementos mais idosos… e, seria possível arriscar, dos mais rurais. Como se aceder ao
consumo de um serviço representasse um luxo a que não podem autorizar-se. Aliás, tem de haver uma acção junto de algumas pessoas participantes no sentido de as levar a consumir, dado que têm tendência para se entregarem por inteiro à oferta do seu bem ou serviço. Há que dizer que o acesso ao consumo é facilitado quando a pessoa prossumidora traz consigo outro elemento de apoio, que a substitui na oferta dos bens e a liberta para procurar os bens e serviços que mais lhe interessam, ou então, que para ela “adquire”. Como esta dificuldade já tinha sido sentida na 1ª edição do Mercado, apesar de a equipa ter alertado as pessoas participantes para a vantagem de trazerem elementos de apoio, de edição para edição foi dada maior atenção ao esforço de sensibilização dos elementos participantes para este aspecto. A qualidade e variedade dos produtos e serviços do mercado atraíram as restantes pessoas presentes na Feira da Solidariedade, elementos de apoio aos stands e visitantes. Frustradas por não poderem aceder ao consumo, começaram a fazer uma enorme pressão sobre os elementos da organização do Mercado, no sentido de poderem comprar a moeda social. A consciência do crescente grau de descontentamento das pessoas assistentes e o facto de muitas bancas ainda ostentarem uma oferta muito significativa quase no final do período fixado para o funcionamento do Mercado, levaram a organização a admitir a aquisição da moeda, estabelecendo a paridade: 1 Solidário = 1 Euro (tendo sido vendidos 162 Solidários e arrecadados 162 €). Verificou-se, então, uma corrida à moeda e o público munido de “dinheiro” quase esgotou a oferta existente. Simultaneamente, algumas das pessoas prestadoras de serviços, que não tinham trazido elementos de apoio ou cujos
elementos de apoio não funcionaram devidamente, ocorreram à área de exposição dos bens e já pouco encontraram para adquirir com os Solidários acumulados. Esta situação gerou alguma frustração em 2 ou 3 pessoas prestadoras de serviços, contribuiu para uma acumulação excessiva de moeda nas mãos de quase todas as prossumidoras e prossumidores e pode ter dado azo a mal-entendidos sobre o funcionamento do Mercado. No momento de avaliação, e posteriormente, a equipa procurou esclarecer esta situação. Desmontado o espaço do mercado, um grupo numeroso de pessoas (36 participantes e 2 técnicas da equipa do projecto) reuniu numa sala para reflectir e avaliar o evento. Apesar das dificuldades referidas, a generalidade das pessoas presentes demonstrou o seu contentamento e manifestou o seu interesse em participar em futuras edições do Mercado. A reflexão e o debate realizados conduziram às seguintes decisões:
• O Mercado tem de ser reservado às pessoas que assumam em simultâneo o estatuto de produtoras/prestadoras e de consumidoras. Embora 3 elementos fossem favoráveis à abertura das vendas ao público e tivessem sido apresentadas várias propostas de enquadramento e regulação dessa abertura, os restantes opuseram-se frontalmente a essa
possibilidade.
• Cada edição do Mercado deve contar com um stand bem visível e atraente para a informação e inscrição das pessoas interessadas em tornar-se prossumidoras e participar em futuras edições.
• O Mercado deve ser organizado regularmente de 3 em 3 meses, de preferência aos Domingos. Alguns elementos sugeriram a sua realização mensal e uma pessoa propôs uma organização semanal, mas a maior parte não considerou viáveis estas periodicidades.
• O tempo de duração deve ser alongado para 5 horas (4 h 30 de trocas e 30 m de reflexão final), de modo a permitir a realização tranquila de todas as trocas, nomeadamente as que envolvem as prestadoras e prestadores de serviços, que normalmente precisam de mais tempo para satisfazer a procura.
• Na fase de arranque do Mercado, deve haver um tempo em que todas as pessoas participantes poderão dar-se conta de tudo o que existe como oferta.
• Os serviços devem proceder à inscrição dos interessados e interessadas, de forma a permitir uma melhor gestão do tempo disponível.
• Em cada edição do mercado deve efectuar-se o registo do montante em Solidários com que cada elemento participante termina as trocas. Na edição seguinte, cada pessoa participante recebe a quantia estipulada mais o montante que tinha arrecadado no final da edição anterior. No entanto, se esse montante ultrapassar um tecto a estabelecer, só será dado o montante equivalente a esse tecto, de forma a não favorecer a acumulação da moeda.
Para além das propostas de melhoria, alguns elementos presentes manifestaram a sua disponibilidade para prosseguir a prestação de serviços fora do Mercado e funcionar em termos de troca directa.

3 ª edição do Mercado Solidário

No dia 20 de Maio de 2007 teve lugar a 3ª edição do Mercado Solidário, no espaço do Museu Etnográfico do Traje de São Brás de Alportel. O início estava previsto para as 14 e o funcionamento estendeu-se quase até às 19 horas. Como se tratava de um Mercado ao ar livre e a hora de início quase coincidia com o almoço, a organização lançou às
pessoas participantes o desafio de virem para o recinto a partir do meio-dia, prepararem o seu stand e realizarem um piquenique em conjunto. O desafio foi aceite e muitas pessoas chegaram com farnel, e com outros membros da família, e dividiram o que
trouxeram com quem estava presente. O número de participantes continuou a crescer, tendo sido possível contar com 48 stands: 13 de artesanato, 17 de produtos agroalimentares e 18 de serviços. As pessoas presentes ultrapassaram as oito dezenas, entre prossumidores e prossumidoras, acompanhantes, visitantes e elementos da organização. A abertura do mercado foi feita através da realização de um pequeno ritual de harmonização das energias de todas as pessoas presentes: um momento insólito, exótico mesmo, mas que foi bastante eficaz na criação de um clima de pertença e partilha. Ritual que se prolongou numa apresentação pessoal de todas as pessoas participantes e, no caso das prossumidoras, do anúncio dos seus bens e serviços.
De seguida, procedeu-se à entrega de 10 solidários a cada responsável de stand, quantia que foi considerada suficiente para permitir o arranque das trocas. As velhas notas em papel foram substituídas por moedas plastificadas: mais bonitas, mais funcionais e mais resistentes. A “cunhagem” das novas moedas foi encomendada a uma empresa gráfica, tendo o pagamento sido efectuado com os Euros resultantes da venda dos Solidários na edição anterior do Mercado. A oferta existente era rica e muito diversificada. O artesanato apresentou: bijutaria, objectos pintados em gesso, telas, rendas, tecelagem em algodão, linho e lã, bases em cortiça, caixas em material reciclado, velas, sabonetes. Os
agroalimentares incluíram: laranjas, frutos secos, ovos, hortícolas, plantas para tisanas, marisco e peixe seco, mel, farinha de milho, rissóis, pão integral, pratos vegetarianos, crepes, doces e biscoitos, sumos, vinho, aguardente. Quanto aos serviços, os prossumidores e prossumidoras puderam contar com prestações muito variadas: limpeza de pele, pintura de unhas, diversos tipos de massagem, reiki, acupunctura, reflexologia podal, shiatsu, leitura do tarot, capoeira. Pela primeira vez, foi distribuído um boletim editado para o efeito – o Jornal das Trocas – com a indicação de cada prossumidor e prossumidora: nome, contacto, produto(s) e/ou serviço(s) proposto(s), produtos e/ou serviços que gostaria de encontrar no mercado. É de registar que as pessoas participantes recorreram, frequentemente, à troca directa, preferindo reservar a moeda para as situações em que a troca directa não permitia responder às suas necessidades de aquisição de um produto ou serviço. Finda a fase de trocas, procedeu-se à avaliação em grande grupo, contanto com o envolvimento de quase todos os elementos que participaram no evento. Deu-se conta da apreciação positiva da actividade e foram avançadas muitas sugestões de melhoria:
• Fornecimento de uma explicação mais detalhada sobre cada serviço, para facilitar a escolha por parte dos prossumidores e prossumidoras. Para o efeito, colocar uma folha informativa junto do stand em que funcionar.
• Organização de uma actividade de animação das crianças presentes, que garanta a sua segurança e divertimento, que liberte os seus familiares para as trocas e que proporcione maior silêncio nas áreas de prestação dos serviços que o exigem.
Hipótese de serviço a propor em subsequentes edições do Mercado.
• Incentivo dos mais idosos para o consumo dos serviços em oferta, até porque podem constituir uma resposta eficaz em termos de alívio de alguns problemas que os afligem.
• Mobilização de participantes que possam trazer uma oferta mais significativa de produtos agrícolas.
• Melhor organização do piquenique, que constitui um momento de partilha e convívio informal a manter.
• Criação da moeda de meio solidário, para estabelecer preços mais adequados.
• Dotação de todos os prossumidores e prossumidoras com cartões pessoais, para facilitar a prossecução das trocas entre mercados.
A discussão em torno do horário de funcionamento conduziu à formulação da seguinte proposta: a feira pode ter um horário de Verão, com uma duração de 5 horas (14 - 19), e um horário de Inverno, com 4 horas (14 – 18). As pessoas que visitaram o Mercado e mostraram interesse puderam receber informação sobre o seu funcionamento e filosofia. Mais de 10 inscreveram-se de imediato, ou nos dias subsequentes, para participar na próxima edição. Próximo das 19 horas, as pessoas começaram a dispersar, despedindo-se amigavelmente com votos de reencontro na próxima edição do Mercado.

4ª edição do Mercado Solidário

No dia 30 de Setembro de 2007, o Mercado teve a sua 4ª edição, uma vez mais no salão da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de São Brás de Alportel. A escolha do local prendeu-se com a incerteza quanto à possibilidade de realizar o ercado ao ar livre e, de facto, as fortes chuvadas que se fizeram sentir durante a tarde vieram confirmar quanto os receios eram fundados. A abertura do mercado estava marcado para as 14 horas e as pessoas foram convidadas a aparecer a partir do meio-dia, para montar o seu espaço e para se associarem num piquenique colectivo. Os diferentes espaços do mercado foram distribuídos pelo salão:
• 7 gabinetes para os serviços ao longo da parede fronteira à porta principal;
• mesas destinadas à exposição dos produtos numa das extremidades;
• na outra extremidade, um espaço para actividades de animação infantil e mesinhas para crianças que participaram como prossumidoras;
• junto à entrada, a banca e espaço de informação.
Estava prevista a participação de 49 ofertas de produtos e serviços, mas houve pessoas que faltaram:
• em alguns casos, como seriam acompanhantes das pessoas que participavam como prossumidoras, não impossibilitaram a presença da oferta, apenas tornaram mais deficiente o seu funcionamento;
• noutros casos, como eram as responsáveis pela oferta, a sua ausência significou que os produtos ou os serviços que propunham deixaram de existir.
Mesmo assim estiveram presentes:
• 16 ofertas de agroalimentares, hortícolas variadas, ervas aromáticas, condimentares e medicinais, citrinos e outros frutos, flor do sal, frutos do mar, pão, massa de pimentão, doces, bolos e compotas, sumos e crepes, mas sem os previstos queijo de cabra e vinho;
• 10 ofertas de artesanato, tecelagem, bijutaria, quadros com plantas, arranjos florais, sabonetes para perfumar gavetas, peças confeccionadas em tecido e em lã, pinturas em tela, pedras pintadas para funcionar como pisa-papéis, dobragens em papel, pequenas peças em madeira pirogravada (as 3 últimas referências correspondiam a produção de 4 crianças participantes),mas sem sabonetes artesanais e duas propostas de quadros com plantas secas;
• outras ofertasplantas em vaso (aloé vera e outras espécies);
• 9 ofertas de serviços massagem pressel (2), massagem metamórfica, realização de tererés, animação de crianças, cobertura em vídeo do acontecimento, exibição de capoeira (por um adulto e uma criança) e massagem dos pés (a cargo de uma criança),
mas sem reiki, acumpunctura, depilação, quiro-massagem e aconselhamento.
Entre prossumidores e prossumidoras, acompanhantes, elementos da equipa e alguns elementos curiosos estiveram envolvidas nesta edição do mercado mais de 60 pessoas.
Esta nova edição foi prejudicada pela não comparência de um número significativo de participantes (16) e pelo atraso verificado por parte de muitos elementos, retardando o início do mercado e tornando muito confuso o período entre as 14 horas (horário previsto para o arranque) e as 15 horas (altura em que de facto se começou com o momento de concentração inicial). Durante esta hora passaram-se coisas que contribuíram para um funcionamento deficiente de todo o mercado: houve quem apalavrasse toda a sua oferta ainda antes do mercado ter início formal, e simetricamente houve quem aproveitasse para garantir de antemão os produtos que lhe interessavam. Como é evidente, estes comportamentos falsearam completamente o jogo de trocas e colocaram as pessoas participantes em situação de desigualdade. No momento de distribuir as moedas, houve queixas veementes de uma prossumidora pelo facto de a banca não estar a devolver as moedas que tinham sido acumuladas por algumas pessoas na edição anterior. Foi explicado que não era possível à organização devolver as moedas, uma vez que nem toda a gente as tinha entregue e se desconhecia, portanto, a situação global de distribuição de moedas no final da sessão anterior do mercado. A queixosa era uma dessas pessoas. O atraso, a sensação de que muitos negócios já estavam feitos, a suspeita de não poder aceder a alguns produtos, as queixas, tudo isto contribuiu para dificultar a criação de um momento inicial de partilha e comunhão e tornou impossível dedicar tempo à apresentação do regulamento do mercado, cujo texto, construído progressivamente nos exercícios de avaliação colectiva das edições anteriores, foi integrado no 2º Jornal das Trocas. Este arranque deficiente marcou todo o mercado até à fase final, em que se assistiu a uma certa debandada antes da realização do momento de avaliação, que contou apenas com a participação de 16 pessoas.
Apesar das dificuldades, houve coisas positivas nesta edição:
• retomou-se a ideia do piquenique inicial e cerca de duas dezenas de pessoas aderiram;
• o Jornal das Trocas voltou a ser produzido e distribuído, e, para além das coordenadas de todas as prossumidoras e prossumidores inscritos para a edição, apresentou uma proposta de regulamento – a rever e reformular;
• o espaço em que funcionou a banca e ponto de informação estava mais bem organizada e visível do que anteriormente;
• pela primeira vez e seguindo a sugestão feita na anterior edição do mercado, funcionou um serviço de animação infantil, com uma oferta diversificada de actividades;
• foi assegurada uma boa cobertura vídeo do acontecimento, por iniciativa de um adulto que se ofereceu para realizar esse serviço;
• houve dois momentos de animação colectiva, um a cargo da jovem que realizava tererés, que brindou as pessoas presentes com uma sessão de dança do ventre, e o outro protagonizado por um adulto e por uma criança, que propuseram uma exibição de capoeira.
No entanto, a equipa organizadora fez um balanço menos positivo desta 4ª edição do mercado, considerando que representou um passo atrás relativamente aos resultados concretos obtidos e ao espírito vivido nas edições anteriores. E essa consciência foi parcialmente partilhada pelos prossumidores e prossumidoras presentes no momento de
avaliação, que apresentaram sugestões com vista à ultrapassagem da situação de impasse experimentada:
• o mercado poderia ser organizado, rotativamente, em colaboração com uma associação do concelho;
• as pessoas que faltaram e não avisaram deveriam ser penalizadas (por exemplo, sendo impedidas de participar na edição seguinte);
• enviar uma carta a toda a gente na fase de inscrição, exigindo compromisso e formalizando esse compromisso, e relembrando os princípios em que se baseia o Mrcado Solidário;
• entrar em contacto com cada uma das pessoas que faltou sem avisar e descobrir porque o fez;
• procurar uma maior diversificação dos serviços em oferta, sendo essencial haver serviços de carácter cultural (por exemplo, uma palestra);
• começar o mercado à hora e fechar à hora estabelecidas, garantindo a disciplina;
• relembrar, constantemente, as regras de acção, para evitar a infiltração sub-reptícia dos hábitos e vícios enraizados;
• convocar as pessoas inscritas para uma primeira reunião, 2 ou 3 semanas antes da realização do mercado, para combinar os detalhes e confirmar compromissos – forma de preparar o espírito de toda a gente para a atitude cooperativa e solidária que deve vigorar no mercado;
• efectuar momentos de paragem das trocas para que todas as pessoas usufruam de prestações de carácter cultural;
• reservar um espaço fechado para as actividades de animação infantil, de modo a evitar que o ruído prejudique os serviços que requerem concentração,
• favorecer a compreensão de que é necessário pagar este serviço;
• entregar a moeda só após a cerimónia inicial.
O grupo presente aprovou uma proposta de montante máximo de moedas a devolver na edição subsequente - 10 Solidários, para que o valor a devolver não ultrapasse o montante garantido à partida a cada pessoa participante. Assim:
• quem vem pela primeira vez recebe 10 solidários;
• quem ficou sem Solidários na edição anterior, recebe igualmente 10 Solidários;
• quem terminou o Mercado com 1, 2 … até 10 Solidários, recebe 10 Solidários e são-lhe devolvidos os Solidários que entregou;
• quem terminou com mais de 10 Solidários, recebe 10 + 10 Solidários.
O sentimento de relativa frustração da equipa foi-se esbatendo, para dar lugar à consciência da necessidade de analisar o que se passou, ponderar a viabilidade das sugestões e propostas apresentadas e partir para a preparação de uma última edição do mercado (no período de funcionamento do projecto) que permitisse debater o interesse e
capacidade de prosseguir a experiência.

5ª edição do Mercado Solidário

No dia 16 de Dezembro de 2007 teve lugar a 5º edição do Mercado Solidário, mais uma vez na sede da Associação In Loco. Embora pequeno, o espaço funcionou bem: a área do Centro de Recursos da associação foi destinada aos produtos, a zona adjacente foi ocupada pelos serviços, um átrio grande acolheu as actividades de animação de rianças,
garantindo a necessária tranquilidade à área de serviços – tal como tinha sido solicitado na edição anterior. Por motivos de saúde e por dificuldades de última hora, 13 prossumidores e prossumidoras não compareceram. Mesmo assim, foi possível contar com:
• 14 serviços acupunctura, shiatsu, massagem pressel (2), massagem metamórfica, equilíbrio energético com cristais, depilações e massagens, limpeza e tratamento de rosto, cabeleireira, manicura, leitura do tarot, animação infantil (2 - jogos e histórias, pintura facial), filmagem do evento;
• 11 ofertas de agroalimentares, pão e bolos, concentrados de laranja e chás, chás e compotas, crepes, bolos (4), hortícolas (2), produtos caseiros;
• 9 bancas de artesanato, bijutaria, envelopes pintados à mão, rendas e almofadas, azulejos pintados, embalagens decorativas e cartões em papel, peças bordadas, arranjos florais, pulseiras e brinquedos, velas artesanais;
• 1 atelier de tricô.
Entre prossumidores e prossumidoras, elementos de apoio e assistentes, o mercado reuniu um total de cinco dezenas de pessoas adultas e uma dezena de crianças. A mobilização das mesas e cadeiras disponíveis na sede da Associação para o mercado não permitiu organizar o piquenique, tal como tinha acontecido nas duas últimas edições. Mas foi preparada uma nova edição do Jornal das Trocas, distribuído a todas as prossumidoras e prossumidores. E à semelhança do que se passou na 4ª edição do
mercado, a banca e ponto de informação a visitantes estavam bem visíveis numa mesa colocado na área central do mercado, na confluência entre a zona dos serviços e a zona dos produtos. Pela primeira vez, foi posta em prática a devolução de solidários, aplicando as regras definidas na sessão de avaliação da anterior edição do mercado. Ou seja, cada prossumidora ou prossumidor participante recebeu 10 solidários como
montante base, mais o número de solidários com que acabou a 4ª edição, até a um tecto máximo de 10 solidários. Tendo presente o que se tinha passado no mercado de Setembro, as pessoas acataram a orientação para não avançar com transacções antes da abertura oficial, o que gerou um agradável clima de confiança e bem-estar entre toda a gente. A cerimónia inicial consistiu numa grande roda, em que as pessoas adultas e as crianças presentes entoaram cânticos de Natal. As trocas tiveram início pelas 14 h 45, com algum atraso em relação ao previsto, e concluíram-se um pouco depois das 18, seguidas de um momento de animação proporcionado por um grupo de cantares tradicionais, dirigido por uma artesã que costuma participar no mercado. Mesmo com problemas de saúde, esta prossumidora fez questão de assegurar a presença do seu grupo. A actuação, com uma duração aproximada de 45 m, foi seguida com entusiasmo
pelas pessoas presentes. No final, ainda foi possível realizar um momento de avaliação, com quase toda a gente que se envolveu no funcionamento do mercado. A reflexão centrou-se no interesse em continuar o mercado para além da conclusão da intervenção do projecto. Num clima de grande informalidade, as pessoas presentes manifestaram o seu desejo de prosseguir a experiência e 5 disponibilizaram-se para apoiar a organização, assumindo os contactos com as prossumidoras e prossumidores, com
vista à mobilização, inscrição e confirmação da sua presença em cada nova edição.

Balanço

A experimentação realizada permite afirmar que:
• existe um formato reconhecível, em termos de espaço, ambiente, oferta e procura, moeda, periodicidade, componentes de animação, momento de avaliação, jornal das trocas, regulamento …;
• esse formato foi construído e afinado progressivamente de edição para edição, tendo a evolução resultado, em grande medida, da aplicação das propostas apresentadas por / e discutidas com as pessoas participantes no momento de reflexão e avaliação;
• as pessoas participantes pertencem a grupos etários, a estratos sociais e económicos e a horizontes culturais muito diversos, o que favorece a riqueza das trocas e permite a ocorrência de interacção entre elementos que dificilmente se encontrariam noutras circunstâncias;
• tem se assistido à estabilização de um núcleo alargado de pessoas que aderem e se mantêm no circuito enquanto prossumidoras, sendo igualmente significativo o número de elementos de apoio e assistentes.
As pessoas envolvidas no mercado ascendem a 147 (117 mulheres e 30 homens). Cada sessão contou, em média, com 41 prossumidoras e prossumidores, para além dos elementos de apoio, dos membros da equipa e dos visitantes. Em termos de fidelização, é importante registar que 33 prossumidoras e prossumidores estiveram presentes em pelo menos duas edições e 14 em pelo menos três, mesmo com a maioria das pessoas a entrar no mercado apenas a partir da 2ª edição. Em termos de compreensão e de adesão ao que o Mercado representa enquanto dispositivo de economia solidária, os adquiridos são evidentes:
• Interiorização pelas pessoas participantes do conceito de prossumidora/prossumidor e da sua centralidade no Mercado. O erro cometido pela equipa organizadora, no momento da 2ª edição do Mercado, ao não respeitar cabalmente o conceito subjacente à actividade, teve a vantagem de conduzir à recusa consciente do acesso ao consumo a quem não esteja em condições de oferecer bens ou serviços.
• Percepção partilhada da função da moeda enquanto instrumento facilitador das trocas e da necessidade de contrariar a acumulação. A proposta de estabelecer um montante máximo relativamente aos solidários a devolver às pessoas participantes na edição seguinte do Mercado e a sua aceitação por toda a gente são prova disso mesmo.
• Estabelecimento de preços tendo em conta a apreciação do valor intrínseco dos bens e serviços a oferecer e menos as tabelas fornecidas pelo mercado convencional. De forma espontânea, verificou-se uma redução do leque de “preços”, com a diminuição do montante pedido por bens e serviços valorizados socialmente, em relação ao montante solicitado por bens e serviços de preço mais baixo no mercado convencional. Exemplo: uma massagem de relaxamento por 7 solidários e um pastel por 1 solidário, quando no exterior o serviço teria custado 50 ou 60 € e o produto alimentar 1 € apenas.
• Aposta no envolvimento de todas as pessoas participantes, vistas como pares e não como concorrentes. Sem que houvesse qualquer orientação por parte da equipa organizadora, as pessoas com serviços de tratamento corporal acordaram entre si, logo na 2ª edição do Mercado, um preço idêntico para as suas prestações.
• Desejo de partilha e de satisfação real das necessidades e expectativas das pessoas envolvidas. Visível no cuidado posto pela maioria das pessoas participantes na apresentação de uma oferta de qualidade ou na vontade de mobilizar as mais idosas para o consumo de tratamentos corporais que podem proporcionar-lhes alívio e bem-estar.
• Mobilização das pessoas participantes para a exploração criativa de competências adormecidas, ou mesmo ignoradas pelas próprias.Este processo proporciona muita satisfação aos elementos que nele participam, pela descoberta e desenvolvimento
das suas capacidades e pelo reconhecimento social que os outros lhe demonstram.
O aprofundamento da experimentação pode, perfeitamente, permitir a algumas pessoas ganhar confiança e acumular conhecimentos suficientes para prosseguir em termos profissionais o que começou por ser um jogo. No entanto, a recorrência de determinados comportamentos, por parte de alguns prossumidores e prossumidoras, e o mau funcionamento da 4ª edição do mercado mostram que o caminho a percorrer é longo, sendo necessário trabalhar no sentido de garantir:
• a observância do compromisso assumido no acto de inscrição;
• o cuidado de avisar em caso de impossibilidade de participar por motivo imprevisto;
• a montagem atempada dos stands;
o arranque do mercado na hora prevista;
• o respeito pelos tempos estipulados para as trocas;
• a participação do maior número de pessoas no momento de avaliação.
Mas não basta assegurar um funcionamento correcto, é essencial que o Mercado solicite e favoreça a adopção de novas posturas em termos de comportamento económico:
• maior atenção aos gostos e necessidades das outras pessoas;
• respeito dos seus direitos enquanto prossumidores e prossumidoras;
• neutralização da tendência para formas de consumo descontroladas;
• …
O Mercado cumpre a sua função pedagógica ao proporcionar a todas as pessoas participantes as aprendizagens que as interpelam e levam a assumir um posicionamento económico mais consciente e mais solidário. Por outro lado, tendo em conta a vontade de prosseguir a experiência para além do período de execução do projecto, é necessário favorecer a cabal apropriação da actividade pelas prossumidoras e prossumidores. Ora um tal processo implica a sua mobilização e capacitação para as várias funções requeridas pelo funcionamento regular do Mercado, na certeza que é exigente em termos de pessoas e de tempo. A partir daí, será possível ir ainda mais longe e, inspirando-se em experiências já em curso, visar:
• a generalização das trocas entre Mercados, levando esta experiência de economia solidária a ultrapassar as fronteiras iniciais, confinadas espacial e temporalmente;
• a construção colectiva de formas de regulação da prática ou práticas resultantes.
O alargamento do sistema pode mesmo ultrapassar o prolongamento das trocas entre edições do Mercado, para equacionar o envolvimento de outro tipo de actores. Um exemplo apenas, uma modalidade de pagamento dos impostos municipais poderia passar pela prestação de serviços considerados de utilidade pública.

Feira da Solidariedade

Conceito

A Feira da Solidariedade é um certame que associa as componentes de informação, animação, experimentação e reflexão participada, estrategicamente centrado na promoção da solidariedade num determinado território, em função de 3 objectivos:
• dar a conhecer a acção solidária das cidadãs e dos cidadãos e das instituições, do território ou que nele operam;
• favorecer o reconhecimento social do valor e utilidade dessa acção solidária;
• mobilizar outras instituições e mais cidadãs e cidadãos para a acção solidária.
A Feira da Solidariedade pode ser desenvolvida em qualquer contexto, mas ganha profundidade e impacto quando se inscreve numa dinâmica de Animação Cidadã para a Acção Solidária. Nesse quadro:
• transforma-se em espaço de acolhimento e ressonância para as restantes actividades desenvolvidas (como a Rede de Voluntariado ou o Mercado Solidário), conferindo-lhes visibilidade e inteligibilidade;
• favorece a convergência de todo o tipo de actividades de intervenção solidária numa dinâmica territorial mais alargada.
Enquanto instrumento de Animação Cidadã para a Acção Solidária, a Feira tem de ser pensada, posta em prática e avaliada de uma forma específica, constituindo-se como um processo de mobilização e capacitação de pessoas e organizações em torno da promoção da solidariedade. Quer isto dizer que a Feira tem de ser construída de forma participada e solidária desde o início: não se organiza um acontecimento para as entidades e as pessoas, faz-se acontecer com a sua intervenção activa e criadora. Nem todas vão querer associar-se, pela certa, mas todas têm de ser desafiadas. Assim sendo, a primeira etapa é de contacto e de sensibilização das entidades existentes, sedeadas no território ou
que nele intervêm, procurando interessar o maior número pela organização de um acontecimento sustentado numa ideia-força, mas ainda sem formato inteiramente definido. As entidades são convidadas a participar nessa construção colectiva, através da integração numa Comissão Organizadora, que terá de pensar e pôr em prática o que tiver sido acordado entre todos os elementos envolvidos. As entidades que não o querem fazer, por falta de meios ou de interesse, têm de ser conquistadas para a participação no evento, que pode constituir, só por si, uma oportunidade de mobilização, de exercício da criatividade e de aprendizagem. Findos os contactos, convoca-se a primeira reunião com todas as entidades que manifestaram interesse e
disponibilidade para participar na organização da Feira, tendo o cuidado de a realizar em local e horário que seja da conveniência de todas as pessoas envolvidas, ou pelo menos da maioria (informação que tem de ser procurada e recolhida na anterior fase de contacto). A condução desta primeira reunião tem de ser muito hábil e cuidadosa, acolhendo as ideias e sugestões das pessoas participantes (muitas delas em representação de entidades) e, simultaneamente, pondo à consideração esquemas
e linhas de orientação que permitam enquadrar as primeiras. Isto porque, perante uma situação de construção participada do modelo a partir do zero, muita gente pode sentir-se atemorizada e desmobilizar. O essencial é que da primeira reunião saiam as linhas gerais do modelo da Feira, a distribuição das pessoas participantes pelos grupos operacionais considerados necessários (de logística, de animação, de divulgação…) e a marcação da primeira reunião de cada um desses grupos de trabalho. Para que a Comissão Organizadora funcione de forma eficaz é aconselhável a criação de um núcleo central no seu seio, que assuma as seguintes funções:
• conduzir o processo de definição cabal do modelo da Feira;
• estimular, acompanhar e apoiar o trabalho dos vários grupos constituídos;
• assegurar a articulação entre todos os grupos e particularmente entre grupos com áreas convergentes ou complementares;
• coordenar o processo global de organização do evento;
• conduzir negociações com entidades externas;
• representar a Comissão Organizadora.
Uma possibilidade que pode funcionar bem passa por reunir no núcleo duro as pessoas responsáveis pela orientação de cada um dos grupos de trabalho constituídos. A feira pode ter diversos formatos, mas é essencial que integre a informação, a animação, a experimentação e a reflexão, de preferência enquanto componentes que se interpelam e se interpenetram mesmo. Assim, cada entidade que pretende dar-se a conhecer e mostrar o seu trabalho, seja num stand ou em qualquer outro tipo de espaço, não pode limitar-se a organizar uma exposição inerte, tem de propor animação, permitir a experimentação,
convocar a reflexão, enfim, tem de procurar garantir um real envolvimento de quem visitar o seu espaço. A Feira deve contar com uma grande multiplicidade de elementos: stands (de entidades, de movimentos, de grupos informais ou mesmo de indivíduos), oficinas variadas, encontros e debates, actuações de grupos artísticos, exposições
de projectos, provas desportivas associadas, bazares, jogos e actividades de animação para grupos específicos (crianças, mulheres, idosos, invisuais …), etc. Neste quadro dinâmico, as pessoas visitantes não são meras consumidoras: chamadas a intervir em múltiplas situações, participam na criação do evento, acrescentando-lhe a sua contribuição pessoal. A vivência da Feira pode proporcionar-lhes aprendizagens, não apenas sobre a utilidade social do trabalho solidário que as entidades e pessoas envolvidas realizam no território, mas também sobre as oportunidades, de crescimento
pessoal e de relacionamento social, que a acção solidária propicia aos que se lhe dedicam. Para as entidades e pessoas que participam na organização e/ou na concretização do evento, a Feira tem de constituir um processo e um tempo de descoberta mútua, de valorização do trabalho de cada qual, de partilha e reflexão
conjuntas, de que se emerge com ideias novas e energias renovadas. Como é evidente, esse processo é mais intenso e profundo no caso das entidades e pessoas ligadas à Comissão Organizadora do evento. Assim, a Feira é um instrumento de Animação Cidadã para a Acção Solidária, através do impacto junto de quem a visita, mas também da alquimia em que envolve as pessoas e entidades comprometidas na sua organização, ou apenas na sua concretização.

Historial

Enquadramento

A Feira da Solidariedade de São Brás teve lugar nos dias 24 e 25 de Fevereiro de 2007, num horário compreendido entre as 15 e as 20 horas, e constituiu um momento de reforço das dinâmicas lançadas por cada uma das outras actividades realizadas no âmbito do Projecto São Brás Solidário. Nomeadamente, forneceu à Rede de Voluntariado uma oportunidade privilegiada de se apresentar publicamente e
funcionou como um espaço de intervenção solidária para um grupo de 20 voluntárias e voluntários. Quanto ao Mercado Solidário, realizou no espaço da Feira a sua 2ª edição, com um grande impacto em termos de visibilidade, de divulgação da experiência e do conceito subjacente entre as muitas pessoas presentes, e com frutos muito positivos no que toca a aprendizagem colectiva por parte das prossumidoras e prossumidores envolvidos.

Sensibilização e mobilização para a participação

A organização do evento arrancou em Outubro de 2006, através do contacto com as associações do concelho, ou que nele trabalham, e ainda com os serviços públicos e escolas locais. Partindo da ideia de acção solidária como intervenção de que resulta um benefício social, a equipa apostou na mobilização de todas as associações locais ou com actuação no território do concelho. Não foram convidadas apenas as que trabalham com idosos ou com doentes mentais – só para dar dois exemplos. Também foram contactadas as associações de caçadores, as pequenas colectividades recreativas e as agremiações com fins culturais. Dentro da equipa, houve quem perguntasse: mas que acção solidária tem uma associação de caçadores? Os seus elementos não estão apenas a defender os seus interesses muito particulares? O questionamento serviu para descobrir
que as associações de caçadores têm desempenhado um papel importante na detecção de incêndios e na preservação da biodiversidade, instalando, por exemplo, bebedouros para os animais em período de grande seca. Quanto às pequenas colectividades recreativas, relembrou-se a sua função de centros comunitários privilegiados, que alimentam sentimentos de pertença e laços de solidariedade entre as pessoas das localidades em que se integram. E no tocante às agremiações culturais, não se ignorou o seu papel como espaços de socialização, de aprendizagem cívica, de investimento cidadão. Assim, através de carta, de conversas telefónicas e, em alguns casos, de encontros presenciais, foram convidadas a participar na Feira e a envolver-se na sua organização 61 instituições. Nesta fase, a Feira foi apresentada como proposta de criação colectiva de um acontecimento, partindo de uma base de definição prévia mínima:
• era ponto assente que se trataria de um acontecimento apostado em assegurar visibilidade e reconhecimento social a toda a acção solidária desenvolvida no concelho e em mobilizar novas pessoas para a intervenção solidária;
• avançou-se a ideia de a fazer durante os dois dias de um fim de semana, em horário a acordar com as entidades participantes.
Das 61 entidades convidadas, 31 aceitaram participar na Feira – através da montagem e animação de um stand ou de uma actuação para o programa de animação, ou mesmo de ambas - e 12 dispuseram-se a integrar a sua Comissão Organizadora. Não se pode concluir que foi por desinteresse que metade das entidades não aceitou o convite: para as associações e as colectividades mais pequenas pode ser muito difícil mobilizar pessoas para assegurar a manutenção de um espaço durante dois dias. E, não tendo uma actividade artística ou desportiva formal, nem na componente de animação conseguem marcar presença. Procurou-se, no entanto, levar estas entidades a mobilizar os seus membros para visitar e usufruir da Feira.

Comissão Organizadora

Depois da fase inicial de contacto e mobilização das entidades, e de se ter procedido ao preenchimento das fichas de inscrição na Feira – trabalho que se estendeu por mais de um mês – realizou-se a primeira reunião da Comissão Organizadora, a 6 de Dezembro, envolvendo a equipa do projecto e as 12 entidades que quiseram participar no processo de concepção e montagem do acontecimento. Nesse momento, foram constituídas 3 equipas de trabalho - organização do espaço e de toda a logística, componente
de animação e preparação da edição do Mercado Solidário – e foram lançadas as bases para a criação do núcleo central da Comissão Organizadora. A partir desse momento, as equipas passaram a desenvolver o seu trabalho com alguma autonomia, articulando
através do núcleo central ou pondo em comum as suas propostas e dificuldades em reunião da Comissão Organizadora, quando se sentia necessidade de alargar a base de participação na reflexão e tomada de decisão.

O espaço de funcionamento

Depois de se ter pensado no Pavilhão Desportivo Municipal e no Pavilhão Desportivo da Escola Secundária, dada a indisponibilidade destes equipamentos para a data acordada, optou-se pela sede da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de São Brás. Embora o espaço apresentasse condições menos favoráveis do que as oferecidas pelos pavilhões, em termos de dimensão, acessibilidades e parqueamento de viaturas, reunia, no entanto, um conjunto de características aliciantes:
• era a sede da entidade parceira responsável pela gestão financeira da actividade;
• daria visibilidade à associação que maior número de voluntários e voluntárias envolve no concelho;
• facilitaria a mobilização de bombeiras e bombeiros para o processo de montagem;
• representaria uma forma de aprofundar a colaboração entre a equipa do projecto e a globalidade da associação, que já anteriormente se tinha mobilizado para assegurar formação à Rede de Voluntariado.
A sede dos Bombeiros foi plenamente utilizada, do salão, ao bar, das salas de formação ao espaço exterior. O salão integrou as seguintes componentes:
• 23 stands, com exposições, fornecimento de informação e actividades de animação;
• o palco, onde ocorreram os pequenos espectáculos (teatro, folclore, ginástica acrobática, concertos instrumentais ou corais …) proporcionados pelas várias entidades participantes;
• o espaço de animação de crianças e jovens, instalado na extremidade oposta ao palco, onde se desenvolveram actividades e jogos orientados por elementos de entidades vocacionadas para trabalhar com estas faixas etárias, como a Associação de Pais e Encarregados de Educação do Agrupamento Escolar de São Brás;
• o espaço de circulação restante, que foi utilizado pelas entidades como prolongamento da área dos seus stands, permitiu a instalação de parte do Mercado Solidário e foi percorrido por pessoas que se dedicaram a uma animação difusa, mas não menos eficaz.
As salas de formação acolheram, ao longo dos dois dias da Feira, debates organizados por entidades participantes e actividades do Mercado Solidário (funcionamento da maior parte dos serviços e sessão de avaliação final). E no corredor que dá acesso às salas e se abre em balcão sobre o salão, foi possível fazer funcionar o grupo de jovens
do projecto de rádio da Escola Secundária, encarregado de difundir música ambiente e de proporcionar pequenos apontamentos radiofónicos. O bar da Associação de Bombeiros foi o espaço de bar da Feira, dando suporte às pessoas participantes e acolhendo as visitantes também. O grande espaço envolvente recebeu uma exposição de fornos solares, que permitia conhecer estes equipamentos e saborear os petiscos neles preparados, e uma unidade móvel da Associação para o Planeamento Familiar, que
assegurou aconselhamento pré e pós teste de detecção precoce do HIV. Para além de ter sido o término de um animado passeio de bicicleta todo o terreno, promovido pelo Bike Clube de São Brás de Alportel, uma das entidades participantes. Este circuito, que envolveu 32 jovens ciclistas, funcionou como uma forma de divulgação e de mobilização para a visita ao evento, já durante o período da sua realização. Por fim, é de referir ainda a utilização de um pequeno armazém para acumular os produtos alimentares fornecidos à entrada pelas pessoas visitantes. Como o salão da Associação dos Bombeiros se encontra no primeiro andar do edifício e não existe elevador, os
elementos da corporação dispuseram-se a assegurar o transporte de pessoas com dificuldades de acesso, bem como dos equipamentos auxiliares por elas utilizados.

O programa de animação

A animação foi uma constante durante toda Feira, tendo assumido formas muito variadas:
• actividades propostas no âmbito de um dos stands presentes, como, por exemplo, o convite da Escola Secundária para aprender a confeccionar flores em cera, a recolha de livros para crianças realizada por alunas e alunos da Escola Básica do 2º e 3º ciclos ou o jogo de perguntas lançado pelo Grupo de Apoio aos Toxicodependentes;
• actividades desenvolvidas no espaço de animação para crianças e jovens, do cantinho da Garotada, a cargo da Associação de Pais e Encarregados de Educação do Agrupamento de São Brás, à Reutilização de Têxteis, proposta pela cooperativa de animação Conexo, passando pelos Em contos partilhados, animado pela Biblioteca Municipal, e pelo Sítio do Bebé, da responsabilidade do Centro de Cultura e Desporto dos Trabalhadores da Câmara Municipal e Junta de Freguesia;
• debates, sobre problemáticas importantes, como o organizado pelo Instituto de Droga e Toxicodependência, “Que respostas na região do Algarve?”, ou o “À conversa com …”, dedicado à prevenção e tratamento do HIV/Sida e proposto pelo Movimento de Apoio à Problemática da Sida;
• actividades concretizadas no espaço exterior, como o passeio de bicicletas todo o terreno ou a exposição e demonstração de fornos solares;
• o próprio Mercado Solidário, que funcionou numa boa parte do segundo dia, com a sua oferta de produtos agroalimentares e artesanais instalados junto ao espaço do palco (dado que os serviços não eram tão acessíveis aos olhos do público);
• oficinas variadas, como a de tango argentino, animada por uma professora da Escola Secundária, ou a de Yoga, conduzida por uma senhora estrangeira que também se quis associar;
• actuações que decorreram no palco e se estenderam ao longo de todo o horário de funcionamento, da Banda Filarmónica, valência da Associação Cultural e Recreativa Escola de Música Sambrasense, à apresentação da peça Sonho de uma Noite de Verão, a cargo de um grupo de utentes da Associação de Saúde Mental do Algarve, passando pelo Coro da Associação dos Amigos do Museu ou pela demonstração de Gimno-dança, pela Escola de Ginástica do Centro de Cultura e Desporto dos Trabalhadores da Câmara Municipal e Junta de Freguesia.
O próprio facto de se ter solicitado às pessoas visitantes que trouxessem um ou mais produtos alimentares como pagamento” do seu “bilhete” de entrada na Feira, proporcionou alguma animação: as pessoas paravam junto ao grande cesto colocado à porta, entregavam os seus produtos e interessavam-se pelas ofertas acumuladas. E quando não traziam nada, procuravam compensar com donativos em dinheiro, posteriormente aplicado na compra de produtos frescos, para complementar a oferta de produtos de longa duração recolhidos durante as campanhas. A tarefa de recolha e armazenamento de alimentos e de recepção dos donativos ficou a cargo de voluntárias e voluntários mobilizados para o efeito. O resto do grupo assegurou as permanências no bazar montado pela Rede de Voluntariado no espaço da Feira. O rendimento resultante da venda dos inúmeros objectos recolhidos foi igualmente canalizado para o
enriquecimento dos cabazes de produtos alimentares destinados a famílias carenciadas do concelho.

Avaliação

Tendo em conta os diversos tipos de participação na Feira, o processo de avaliação constituiu uma operação desenvolvida a diferentes níveis:
• junto das pessoas visitantes, com recurso a dois dispositivos distintos, obtenção do grau de satisfação, pelo convite à colocação de 1 berlinde numa caixa, num conjunto de 4 caixas ordenadas do desagrado completo à satisfação cabal (com recurso a bocas em posturas diferenciadas de troca de coisas que todos temos tristeza ou contentamento);
recolha de elementos mais qualitativos, graças à inscrição de comentários num livro de formato grande, para o efeito preparado;
• junto das entidades participantes e das entidades organizadoras, através de preenchimento de ficha avaliativa da feira e da sua organização; participação em reunião de reflexão alargada;
• pelo conjunto de técnicas e técnicos do projecto envolvidos na sua organização, que, com base nos dados avaliativos fornecidos pelos dois outros níveis e na sua própria apreciação do acontecimento, da sua preparação e do papel de enquadramento e dinamização desempenhado pela equipa, procederam a uma avaliação global e
(visitantes) produziram um relatório de síntese.


Balanço
Alguns números e factos relativos à Feira falam por si:
• recebeu, pelo menos 722 visitantes, de acordo com os “bilhetes de entrada”, que serviam o objectivo de permitir esta contabilização, mas que não chegaram a ser distribuídos a toda a gente em momentos de maior concentração;
• contou com a participação de 31 entidades, entre associações e serviços públicos, para além de grupos diversos (como o grupo dos jovens da rádio escolar ou o grupo da Rede de Voluntariado) e de pessoas a título individual (como a senhora que recolheu fundos com o objectivo de custear a intervenção cirúrgica de que carece um irmão, (visitante)
que ficou invisual na sequência de um acidente);
• mobilizou 12 entidades para a participação, ao lado da equipa do projecto, no processo da sua organização;
• envolveu 300 participantes, na sua maioria em representação de entidades e serviços públicos;
• beneficiou do contributo de 20 voluntárias e voluntários na recolha de bens limentares à entrada;
• foi avaliada muito positivamente pela esmagadora maioria das pessoas que a visitaram, das que participaram na sua concretização e das que se envolveram na sua organização. (visitante)
Em termos de futuro, a Câmara Municipal já manifestou a intenção de assegurar a sua continuidade e as entidades locais manifestam empenho em dar o seu contributo também. No entanto, vai ser necessário trabalhar para que manter a feira não signifique reproduzir uma fórmula que se esvazia de ano para ano, e represente, pelo contrário, uma aposta no aprofundamento do processo de construção colectiva do evento, que é o que lhe confere o carácter distintivo de instrumento de Animação Cidadã para a Acção Solidária.

Instrumentos de apoio

Até aqui foram apresentadas as actividades que compuseram o leque dos dispositivos de Animação Cidadã para a Acção Solidária no caso do Projecto São Brás Solidário. Neste capítulo, pretende-se dar a conhecer dois instrumentos que serviram a dinâmica global do projecto, dando apoio tanto à vertente política como à vertente social: o Jornal São Brás Solidário e o programa de rádio São Brás Solidário – a minha, a tua … a nossa voz. Abordá-los no corpo central deste livro, em vez de os remeter para os anexos a consultar, resulta da percepção de que ambos constituem também, no registo que lhes é próprio, ferramentas ao serviço da animação social e política e espaços de aprendizagem da cidadania.

Jornal

Conceito subjacente

O jornal é um instrumento de informação, comunicação e mobilização das cidadãs e cidadãos, e das entidades locais, pensado e concretizado no quadro de uma estratégia de animação cidadã para a acção solidária e a participação política, com vista à promoção da qualidade de vida, da coesão social e da identidade cultural de um determinado
território. Este enquadramento e finalidade exigem que o próprio jornal constitua um espaço de participação, quer ao nível da concepção e edição, quer ao nível da sua leitura. A participação na primeira vertente requer uma postura de sensibilização e mobilização de pessoas e entidades, exteriores à equipa que decide lançá-lo, para o processo de pensar e fazer o jornal. A participação na segunda vertente remete para a aposta numa real comunicação com as pessoas que o recebem e lêem, que se traduza na capacidade de produzir um discurso claro e apelativo, de abordar temas que lhes interessam, de as despertar para novos temas, de as encorajar à acção e interacção.
Deste modo, o jornal transforma-se, progressivamente, num projecto colectivo, num espaço alargado de comunicação e intervenção.

Características do Jornal São Brás Solidário

O Jornal São Brás Solidário foi pensado como um boletim mensal, constituído por um caderno de 4 páginas, em formato A3. Centrado nos temas e actividades do projecto, não se esgotou no seu espaço de acção, podendo contemplar iniciativas desenvolvidas por outros projectos e por outras entidades, desde que assumissem os contornos de componentes de uma dinâmica de animação cidadã. A primeira página incluía o editorial, fornecendo enquadramento ao conteúdo global de cada edição, e notícias em destaque, não necessariamente relativas ao projecto e às suas actividades. A última página foi dedicada à actividade Rede de Voluntariado, para além de conter publicidade institucional sobre um serviço, valência ou iniciativa de uma entidade, parceira ou não do projecto. As duas páginas centrais concentraram-se na abordagem de um ou mais temas, normalmente relacionados com actividades do projecto, mas podendo abordar outras dinâmicas. O jornal foi coordenado por uma técnica da equipa do projecto, especialista em comunicação, mas envolveu muitas outras pessoas na sua elaboração (mais de 80). Os elementos internos ao projecto foram chamados a:
• recolher e organizar informação (como, por exemplo, sobre as entidades participantes na Feira da Solidariedade);
• registar depoimentos (de voluntários, de participantes no Orçamento Participativo de Crianças e Jovens …);
• realizar entrevistas (com o responsável da Rede Social, com o Presidente da Câmara …);
• fazer a cobertura jornalística de acontecimentos (como, por exemplo, o 1º Encontro Nacional sobre o Orçamento Participativo);
• escrever textos descritivos de experiências (como o relato da 1ª edição do Mercado Solidário).
As pessoas externas deram os seus testemunhos, foram entrevistadas, forneceram informação e, quando aceitaram o desafio de uma participação mais activa, puderam:
• escrever crónicas;
• fazer uma reportagem jornalística;
• enviar informações;
• apresentar as suas sugestões (temas a abordar, tipo de linguagem a privilegiar ou outras);
• realizar avaliações.
Do jornal foi feita uma tiragem de 1000 exemplares, distribuída de forma alargada:
• deposição de vários exemplares em todos os serviços públicos e escolas do concelho;
• entrega de vários exemplares na Câmara Municipal e na Junta de Freguesia;
• fornecimento de um exemplar a cada elemento da Rede de Voluntariado;
• disponibilização de um número adequado de exemplares nos espaços de socialização mais frequentados (cafés, clubes, sedes de associações locais, casas comerciais…), no espaço da vila e em todas as localidades do concelho; para além do seu envio a alguns serviços e entidades exteriores ao território.

Programa de Rádio

Conceito subjacente

O programa de rádio constitui um instrumento de informação, comunicação e mobilização das pessoas e entidades de um território, criado e difundido no quadro de uma estratégia de animação cidadã para a acção solidária e a participação política, com vista à promoção da qualidade de vida, da coesão social e da identidade cultural. Para cumprir esta finalidade, o programa teve de ser pensado e funcionar como um espaço vivo e partilhado, praticar uma linguagem correcta e acessível, abordar temas estimulantes e fazê-lo de uma forma atraente e mobilizadora. Só dessa forma o programa de rádio podia constituir um espaço de participação das pessoas e entidades do território a que se destinava e criar condições para a sua progressiva apropriação colectiva.

O Programa de Rádio do Projecto São Brás Solidário

Após uma fase de negociação com a rádio local – a São Brás FM – a equipa do projecto lançou em 11 de Março de 2006 um programa de rádio que designou São Brás Solidário … a minha, a tua, a nossa voz. Tratava-se de uma emissão semanal, com uma duração aproximada de 50 minutos, que ia para o ar todos os Sábados, entre as 12 e as 13 horas.
O horário foi o disponibilizado pela rádio local, que já tinha os dias de semana ocupados com emissões pagas por diversas empresas e instituições. O programa estruturava-se em torno de uma entrevista, com uma ou mais pessoas, sobre uma temática pertinente em termos de animação cidadã do território. O debate era enriquecido com pequenos apontamentos, efectuados junto de pessoas e entidades do concelho, e ia sendo pontuado por músicas que funcionavam como eco e contraponto à temática abordada. Para além da entrevista, o programa incluía, também, pequenas notícias sobre acções ou eventos, promovidos pelo projecto ou não, vistos pela equipa como possíveis contributos para a criação de uma dinâmica de animação cidadã. Integrava, ainda, publicidade institucional sobre um serviço, uma valência, um dispositivo de interesse colectivo (a Biblioteca Municipal, o Centro Comunitário, o Centro Novas Oportunidades …) e podia ter lugar para uma crónica, sempre da responsabilidade de um elemento externo à equipa. É interessante referir que a concepção e a produção das primeiras emissões do programa assentaram numa formação-acção que envolveu quase todos os elementos da equipa técnica. As aprendizagens realizadas estenderam-se da redacção de notícias para a rádio às técnicas de leitura e colocação de voz, da concepção do formato de um programa à condução de uma entrevista, da produção de um anúncio à manipulação do equipamento de gravação.
A par da participação activa da própria equipa na construção e produção do programa, as emissões sucessivas transformaram-se num espaço em que muitas outras pessoas vieram inscrever a sua voz (quase 80). Embora participado e criativo, o programa enfrentou desde o início um obstáculo maior: a hora de emissão não garantia uma audiência alargada - como foi possível comprovar inquirindo a população. Na impossibilidade de aceder a um horário mais conveniente, dada a ocupação das horas mais vantajosas por programas pagos, a equipa viu-se forçada a desistir: o fraco impacto do programa não justificava o tempo e energia que a sua produção exigiam. E assim, a última emissão foi para o ar no dia 1 de Julho de 2006. A decisão de pôr termo ao programa não significou, todavia, o fim desta área de acção: o investimento feito na
formação, as aprendizagens realizadas e o gosto por fazer rádio, que nasceu e se enraizou, levaram a equipa a procurar novas vias para retomar a experiência. Durante alguns meses, explorou-se a hipótese de trabalhar com as rádios escolares. Embora a audiência fosse mais restrita, valia a pena apostar numa possibilidade que garantia a disponibilização da necessária infra-estrutura técnica e assentava na mobilização de jovens e elementos do corpo docente. À medida que se tornou claro que as escolas estavam pouco disponíveis para este processo, dada a sobrecarga resultante das alterações em curso no sistema educativo, a equipa teve de procurar outras soluções.
A negociação com a rádio local permitiu avançar para um novo formato, menos exigente em termos de tempo de preparação e de mobilização de elementos da equipa, mas – ao que tudo indica – de maior impacto. Assim, a 1 de Julho de 2007, o projecto voltou ao contacto dos ouvintes da São Brás FM, através da inserção de um pequeno bloco de 3 ou 4 minutos, que passava 3 vezes por dia e era renovado 3 vezes por semana. E a difusão passou a ocorrer num horário em que cafés, casas comerciais, serviços e muitas casas privadas sintonizam a rádio local. A equipa preparava 3 blocos para cada semana, com o 1º a ser emitido (e repetido) à Segunda, o 2º à Quarta e o 3º à
Sexta-feira. O nome do programa – ou apontamento – continuou a ser São Brás Solidário … a minha, a tua, a nossa voz, os separadores musicais eram os mesmos e manteve-se o estilo coloquial através da realização de uma mini-entrevista.

Em Jeito de Despedida

Este livro procura apresentar uma experiência concreta, relativa à componente de animação social do Projecto São Brás Solidário, e formalizar os pressupostos em que assentou, bem como as aprendizagens que tornou possíveis. É conveniente lê-lo tendo presentes os limites temporais da intervenção conduzida no âmbito da Iniciativa Comunitária EQUAL, que, embora tenha permitido lançar actividades e dinâmicas, não possibilitou a sua consolidação, nem a exploração de algumas hipóteses de trabalho emergentes. Por outras palavras, este livro fala de coisas que foram iniciadas e requerem continuidade, aprofundamento, maturação. Cabe às entidades parceiras do projecto procurar reunir recursos para prosseguir esse processo, mastambém pode ser um desafio a relevar por outras entidades e parcerias que operam noutros territórios. Resta desejar
que consigam ultrapassar o que aqui se deu a conhecer. Em São Brás de Alportel, o conceito de Animação Cidadã para a Acção Solidária consubstanciou-se no desenvolvimento de 4 actividades – os Encontros Comunitários, a Rede de Voluntariado, o Mercado Solidário e a Feira da Solidariedade -e na produção de dois instrumentos de apoio – o Jornal e o Programa de Rádio – mas é preciso ter consciência de que outros dispositivos poderiam ter sido ensaiados, bem como outras formas de os articular. E isto é verdade para São Brás e para outros territórios. A título de exemplo, é possível pensar no Banco do Tempo, de que já existem alguns exemplos no nosso país, nos Grupos de Aquisição Solidária, nos Clubes de Pais …
Dizendo de outro modo, este livro não é uma receita a respeitar, nem um modelo a seguir. Pretende, apenas, constituir um estímulo ao desejo de criar comunidades mais solidárias e à capacidade de inventar formas de avançar na sua concretização. Na certeza de que esse desejo e essa capacidade estão bem presentes nas leitoras e leitores a que se dirige.

Para Saber Mais

Para aprofundamento das temáticas abordadas, sugere-se a consulta e leitura de alguns livros e a pesquisa de alguns sites. Os sites referidos podem incluir, também, preciosas indicações de literatura especializada.
Sobre Voluntariado

AMARO, Rogério Roque
O voluntariado nos projectos de luta contra a pobreza em Portugal
Comissão do Ano Internacional dos Voluntários, Lisboa, 2001
BOUZAS, Miguel Angel Mesa et all
Que é… O Voluntariado
Edições Paulinas, Lisboa, 1997
CATARINO, Acácio
Do voluntariado assistencial à transformação voluntarista
Revista Além-Mar, Lisboa, 2001
CONSELHO NACIONAL DE PROMOÇÃO DO VOLUNTARIADO
Guia do Voluntário
Lisboa, 2002
CONSELHO NACIONAL DE PROMOÇÃO DO VOLUNTARIADO
Voluntariado, uma escolha, um desafio – Actas do encontro
Lisboa, 2001
DOMENEGHETTI, Ana Maria
Voluntariado – Gestão do Trabalho Voluntário em Organizações sem Fins Lucrativos
Editora Esfera, São Paulo, 2001
www.eu-voluntariado-pt.org
www.worldvolunteerweb.org
www.voluntariadojovem.pt
www.voluntariado.net
www.volunteermatch.org
www.alem-mar.org
www.bolsadovoluntariado.pt
www.isu.pt
www.solidus.pt

Sobre Economia Solidária

LAVILLE, Jean Louis
L´Économie Solidaire: une perspective internationale
Desclée de Brouwer, Paris, 1994
VAN HARKEL, Henk; DE ALBUQUERQUE, Paulo Peixoto; RAMADA, Camilo; PRIMAVERA, Heloisa
Onde está o dinheiro
Dacasa Editora, Porto Alegre, 2002
www.riless.org
Site da Red de Investigadores Latinoamericana de Economia Social y Solidaria
(com muita informação e bibliografia)
www.lets.net
Site sobre os sistemas LETS
www.redlases.org.ar
Site da Red Latinoamericana de Socioeconomia Solidária
(onde se pode encontrar, entre outros materiais, o pequeno manual “Como Comenzar una Red de Trueque Solidario”)
www.grameen.org
Site do Grameen Bank, no Bangladesh, sobre Microcrédito
www.neweconomics.org
Site da New Economics Foundation, no Reino Unido
www.transation.net
Site com muita informação sobre modelos alternativos
www.economiasolidaria.net
Site com muita informação, livros e artigos
Em vários sites, há livros e artigos disponíveis para download.

Financiamentos: Parceiros:
Ficha Técnica
Produção: Projecto São Brás Solidário
Coordenação e Redacção: Maria Priscila Soares
Recolha e tratamento de informação: Ana Rita Viegas, Andreia Galego Graça Palma, Ircília Pereira, Maria João Capelo, Pedro Marum, Sandra Rosário
Financiamento:Iniciativa Comunitária Equal, Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social: Fundo Social Europeu

1 comentário:

HFR disse...

Isto é que foi trabalho Joca.
Helder.