2008-04-14

Módulo II - Disciplina de Metodologias de Investigação I

Textos de Apoio

TEXTO 1

Actualmente, a vida em sociedade parece assumir novas formas de sobrevivência. O sociólogo alemão Peter Alheit refere que o curso da vida parece tornar-se uma espécie de ‘laboratório’ que funciona sem programação, a vida toma a sua forma em parte no vazio. As pessoas parecem estar a perder as referências que asseguram a identidade, familiar, escolar, profissional e ideológica. A vida profissional implica construir aprendizagens difíceis, que servirão de fundamento para as opções a fazer. A formação profissional já não dá independência, podendo, sim, dar alguma estabilidade, mas as pessoas e os jovens adultos, em particular, têm de encontrar por si mesmos quais as suas saídas, num mundo cheio de surpresas. A vida das pessoas constrói-se num ambiente social no qual o factor económico desempenha, actualmente, um papel fundamental. Não é de admirar que durante a vida, a pessoa, seja sujeita a escolhas cada vez mais complexas. O tempo em que a pessoa, depois da formação inicial, seguia um percurso por fases da vida, mas em que o 1º emprego era, muitas vezes, para a vida toda até à reforma, já é passado. Tirar uma licenciatura ou mesmo um mestrado não garante, à partida, que se vá logo encontrar um emprego. Este direito que todos deviam ter, de exercer uma profissão que correspondesse à sua formação inicial e às expectativas de vida de cada pessoa, cada vez está mais difícil. Os pais sempre sonham com um futuro feliz para seus filhos. Foi assim com os meus pais e, no meu tempo, depois da formação inicial, ainda era tempo de sonhar com uma vida estável em termos profissionais. Hoje, como pai, vejo que isso já é muito mais difícil, e observo que os jovens, até mesmo os licenciados, têm de inventar soluções para assegurar a sua existência e lhes conferir um sentido. Também há muitos jovens que buscam inspiração nos modelos de vida dos próprios pais. Mas, e então e os outros? Aqueles jovens que não tiveram oportunidade de fazer a escolaridade obrigatória, ou que não fizeram uma formação inicial, ou que não conseguiram um 1º emprego no momento certo, ou que não aprenderam uma profissão. Se para muitas pessoas a vida decorre sem muitas “estórias” que mereçam um destaque especial, são muitas aquelas pessoas que, tendo histórias de vida complicadas, encontram coragem para tentar dar significado à vida, para descobrir um fio condutor. Há inúmeros exemplos de pessoas que tiveram de aprender a refazer a sua vida. A instabilidade profissional, o emprego precário, os conflitos relacionais, o stress, a fragilidade económica, o mal estar social, questões familiares, problemas de saúde, ou a confrontação com um universo social e cultural para o qual não estão preparados face a modelos de educação já ultrapassados, origens culturais diferentes, modelos de referência com significações divergentes, os deslocamentos geográficos, cada vez mais frequentes e que modificam a própria socialização, podem constituir algumas das causas que estão na origem de histórias de vida difíceis. Talvez que seja mais fácil reagir do que agir, parece haver muitos casos dignos de nota, em que as pessoas, parecendo estar num beco sem saída, acabam por enfrentar as situações da forma mais diversa, inventando soluções, renunciando nuns caso, aceitando perder noutros, para depois poderem refazer a sua vida. Parece que só as pessoas que viveram essas situações terão legitimidade para falar sobre esse sofrimento, sobre essa coragem de mudar, sobre o “preço” que tiveram de pagar, independentemente do que tiveram de aprender para ultrapassar as situações.
Chegados aqui, neste momento do texto uma questão se impõe: Poderia ser diferente? Como educadores temos de acreditar que sim, temos de defender a existência de mecanismos de orientação e acompanhamento que aos serviço das pessoas, permita ajudá-los a melhor compreender os momentos que atravessam e a ajudá-los a encontrar respostas adequadas. A maior parte dessas pessoas poderão estar à procura de referências que possam dar sentido à sua vida. Daí poder reconhecer-se que a educação de adultos, poderá, em certas situações, promover o desenvolvimento da pessoa adulta, já que a formação pode ajudá-lo a reflectir sobre a própria vida, no sentido de encontrar o seu caminho. A formação não irá garantir a promoção profissional, mas poderá ajudar ao adulto a pensar os caminhos a escolher para a sua vida, que encaminhamento dar ao seu futuro. Serão necessárias aprendizagens para que os adultos enfrentem as dificuldades que perturbam a sua vida.
Nos Centros Novas Oportunidades as histórias de vida, numa primeira fase, permitem às pessoas fazer um balanço retrospectivo das suas vidas, olhar para a sua trajectória de vida, acontecimentos vividos ou testemunhados, experiências vivenciadas. Numa segunda fase há que identificar as expectativas que as pessoas transportam, quais as suas perspectivas de futuro. Segundo Josso (2002) estes dois tempos são importantes, pois, não é possível pensar no futuro sem antes se fazer uma reflexão crítica sobre o significado atribuído ao passado. Um passado que é rememorado, não em estado puro, mas reproduzido a partir de interpretações, emoções e vivências. Ao responder a questões sobre a sua vida, a pessoa é desafiada a recordar o passado, a relembrar acontecimentos e pessoas situadas em outros tempos e lugares. Porém, é o presente que serve de ponto de partida para as recordações. Voltar no tempo é um exercício que necessita de um constante ir e voltar, pois cada lembrança está associada a um momento do presente. O relato sobre o passado é uma forma de superar esquecimentos, de reelaborar significações e (re)estabelecer relações com o que foi passado. Lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado. Assim, as lembranças, além de oferecerem uma descrição de acontecimentos vividos, trazem também uma análise daqueles mesmos acontecimentos, dada a distância a que a pessoa se encontra deles, e a sua disposição em avaliar as transformações que vivenciou. Tudo o que a pessoa relata é importante. Não há factos, assuntos, experiências mais e menos importantes. Há pessoas que referem que não têm nada de relevante para relatar, mas quando falam a partir de questões que são colocadas, acabam por ficar surpreendidas com o que afinal tinham para dizer. De modo geral, os relatos biográficos deixam transparecer os quadros de referência mediante os quais os adultos dão sentido à história de sua vida. Os adultos pensam sobre sua vida mais em termos de realização pessoal do que em aventura colectiva. A reconstrução do horizonte biográfico necessita de um trabalho de formação, que não se reduz a um único registo psicológico de desenvolvimento pessoal. Daí que uma das tarefas prioritárias da formação seja ajudar os adultos a dar forma à sua vida. Tal concepção de formação não deve ser confundida com um trabalho de assistência. Quando o adulto se aflige para dominar as exigências de um projecto ou em conduzir sua vida, é bom que ele possa dispor de apoio para realizar o que pretende ou para se retomar. A formação deve dotar a pessoa de instrumentos que permitam uma melhor orientação, para fazerem escolhas que estão mais de acordo com elas próprias, consoante as tomadas de consciência que fizeram. Dá-lhes uma maior autonomia de decisão, de análise da situação, por um lado na escolha das orientações e, por outro, para que as pessoas sejam capazes de melhor definir os seus interesses.


Texto 2

Vivemos tempos de profundas mudanças que alteram de dia para dia o cenário social, político, económico, cultural em que vivemos. No plano social assistimos à agudização da pobreza, ao aumento das desigualdades, ao aumento das migrações. Na economia assistimos a novas formas de produção, distribuição e consumo. Na política assistimos à crise do estado providência, à perda de legitimidade das democracias representativas, ao surgimento de vários focos de conflito. Por outro lado, no plano científico, observamos o avanço das tecnologias, da ciência, o progresso da medicina, da investigação biotecnológica. Enquanto isto, a identidade cultural, o consumo cultural, o ócio, a indústria da consciência, são suportados por poderosas estruturas económicas e mediáticas. A socialização, a aprendizagem, as relações interpessoais estão a ser sujeitas, também, a um processo transformador. Neste cenário sócio-económico-cultural as pessoas parecem sentir “necessidade” de reflectir sobre a sua própria vida, sobre a sua biografia, no sentido de conferir maior sentido à própria vida e às suas trajectórias de vida.
As Histórias de Vida têm sido utilizadas no mais variados âmbitos, da literatura à antropologia, da psicologia à sociologia, da educação de adultos à educação para a saúde, da formação de professores à intervenção social. Em cada um destes domínios podem identificar-se e reconhecer-se posicionamentos próprios que decorrem dos objectos específicos e das lógicas próprias desses mesmos âmbitos. Do ponto de vista cronológico, as abordagens biográficas e as histórias de vida têm vindo a ocupar um lugar cada vez mais destacado nas Ciências da Educação, através do seu uso como metodologia de investigação. Como objecto de pesquisa científica, as Histórias de Vida deram origem a um notável conjunto de estudos logo a seguir à Iª. Guerra Mundial. A forma de encarar as histórias de vida, muda então radicalmente. As contribuições mais significativas para esta nova perspectiva ficaram a dever-se à Escola de Chicago e, também, aos estudos realizados no âmbito da Antropologia para estudar as culturas dos aborígenes e as tribos nativas da América do Norte, face à possibilidade de desaparecimento destas comunidades. O relato de um percurso singular, torna-se numa janela aberta para entender o Outro. O primeiro estudo de referência foi o de W.I.Thomas e F. Znaniecki, intitulado “The Polish Peasant in Europe and América” (1918-1920) publicado em 5 volumes. Estes autores consideraram os documentos pessoais como materiais sociológicos adequados para a sua investigação. Utilizaram autobiografias, cartas e outros documentos. Para os sociólogos da Escola de Chicago o objecto de investigação era a experiência concreta. A cidade de Chicago dos anos 20 e 30 constituía um riquíssimo "laboratório natural" de investigação face ao rápido crescimento da cidade, à corrente imigratória de todas as nacionalidades, à presença de vários grupos étnico-culturais, as diferentes religiões em presença.
A escola de Chicago produziu um notável conjunto de estudos, em que uma das suas principias características é o interaccionismo simbólico de George Herbert Mead (1863-1931). Mead trouxe para as ciências sociais uma nova maneira de pensar o comportamento social dos indivíduos. O indivíduo deixa de ser visto como algo unitário, uma “pessoa” que existe como se fosse completamente independente dos outros, mas sim como um ser complexo com várias dimensões diferentes, construído a partir das suas relações com aquilo que ele designa por “outros significantes”, cujos comportamentos têm importância social ou consequências para cada um de nós. As acções humanas inserem-se assim, no interior de um processo comunicativo. Para que se dê comunicação, cada indivíduo deve conhecer a maneira de reagir do outro perante os seus actos. Entende-se por interacção social o processo através do qual as pessoas se relacionam umas com as outras, num determinado contexto social. A interacção apoia-se no princípio da reciprocidade da acção e é reconhecida como condição necessária para a organização espaço - temporal. Isto significa que os actos dos indivíduos não são independentes, mas condicionados pela percepção do comportamento do outro. A associação ao interaccionismo simbólico deriva da ideia de que o estudo das áreas urbanas, dos grupos sociais e da ocupação espacial estão em relação com as identidades construídas através da percepção que o indivíduo tem de si próprio e da percepção sobre a imagem que os outros têm de si. Na sociologia interaccionista o processo de transformação de significados e as mudanças ocorridas nas sociedades leva a centrar a atenção na aquisição do sentido do eu, na narrativa do indivíduo, do relacionamento com os outros, na organização da noção do tempo, da negociação da ordem. É uma visão dinâmica do mundo em que os actores sociais vão delineando estratégias de acção, construindo a sociedade a partir destas interacções em permanente mudança. A teoria interaccionista assenta na investigação empírica das colectividades humanas, dos grupos e das pessoas, explorando os seus comportamentos e símbolos.
Nos anos 30, o predomínio da Escola de Sociologia de Chicago começou a decair. Também, logo a seguir à II Guerra Mundial, decaiu o interesse pelo estudo das histórias de vida, muito por força do ambiente científico que se começou a observar e que era dominado pelos métodos positivistas. A partir da década de 60 a Antropologia e a Sociologia voltaram a recuperar a utilização das histórias de vida como metodologia de investigação. Para que tal acontecesse muito contribuiu o trabalho de C.W. Mills “ A imaginação sociológica”. Este autor reivindicou a necessidade de se situar a investigação social num ponto de intersecção entre a história, as estruturas sociais e as biografias. Também o trabalho pioneiro de O. Lewis motivou o interesse pelo método biográfico. Desvalorizando a metodologia quantitativa, Lewis opta pela observação participante e por entrevistas em profundidade para recolher relatos de vida de famílias pobres, rurais e urbanas do México e Porto Rico. Filhos de Sanchez, o livro mais popular de Lewis (1961) é uma história de vidas cruzadas dos membros de uma família pobre da cidade do México. Percorrendo-as, essas histórias mostram a forma como estas pessoas encaravam a adversidade provocada pelo desemprego, violência doméstica, divórcio, maternidade precoce, abandono escolar, repressão policial, revolta ou a vontade de morrer.
Por estes tempos surge uma nova geração, em Chicago, que contribuiu grandemente para um renovado interesse pelos interaccionismo simbólico e pela investigação qualitativa, onde se destacava E. Goffman. Sociólogo americano, nascido em 1929 e falecido em 1982, Goffman desenvolve a ideia que mais identifica a sua obra, o mundo é um teatro e cada um de nós, individualmente ou em grupo, teatraliza ou é actor consoante as circunstâncias em que nos encontremos, marcados por rituais, posições distintivas relativamente a outros indivíduos ou grupos. Goffman aplicou ao estudo da civilização moderna os mesmos métodos de observação da antropologia cultural. Assim como, nas sociedades indígenas, há ritualizações que permitem distinguir indivíduos e grupos, também, nas sociedades contemporâneas, a origem regional, a pertença a um classe social ou quaisquer outras categorias são marcadas por ritualizações que distinguem indivíduos e grupos, tomando por exemplo pequenos aspectos, como as formas de vestir ou de se apresentar publicamente. Gofffman parte do pressuposto que o comportamento humano tem pouco de instintivo, ele é essencialmente o resultado de um processo de socialização. Ao longo da vida de um indivíduo as mudanças do seu comportamento reflectem sobretudo os diversos grupos que integra, e as novas regras e padrões que adopta. Seguindo o seu percurso e as suas reacções em diferentes situações, descobrem-se os diversos grupos sociais.
Um momento particularmente significativo na afirmação dos métodos biográficos é a realização do 9º Congresso Mundial de Sociologia (1978). Mais de uma vintena de trabalhos são então apresentados sobre histórias de vida, e onde estão presentes inúmeras linhas de pensamento. São apresentados trabalhos muito variados, desde estudos sobre camponeses, trabalhadores sazonais, operários, empregados, industriais, elites, até estudos sobre delinquência, violência, prostituição. Contudo, é nos anos oitenta que se assiste à consagração dos métodos biográficos, sendo de destacar a quantidade de estudos biográficos sobre os professores. Desde então, tem crescido a popularidade dos estudos sobre a vida dos professores. É a partir da história de vida dos professores, das suas trajectórias pessoais e profissionais que se procura compreender o próprio sistema educativo e a forma como os professores vivem a sua profissão.
Também foi a partir dos anos 80 que o interaccionismo simbólico, tão importante anos atrás, começa ser substituído, por alguns autores, por uma versão mais pós-modernista, da qual Denzin é o principal percursor. A busca de grandes narrativas vai sendo substituída por teorias mais locais e de pequena escala, centradas em problemas e situações específicas. Trabalhar com histórias de vida a partir de uma perspectiva pós-crítica é colocar em contexto o que é significativo para cada um, entrelaçando a experiência com o desejo de aprender. As histórias de vida associam-se à perspectiva pós-crítica como forma de gerar capital cultural, como alternativa para construir saberes e conhecer fazeres que ajudam a resgatar o que se aprende de vozes antes silenciadas, vozes e subjectividades submersas em rotinas institucionais, sujeitos anónimos, pessoas previamente excluídas nesse mundo global pós-moderno e excluídas, também, dos discursos dominantes nas ciências humanas. Há a noção de que tudo é um "texto", que o material básico de textos, sociedades e quase tudo é significado, e que os significados estão aí para serem descodificados ou desconstruídos, que a noção de realidade objectiva é suspeita. O pós-modernismo parece ser hostil à ideia de uma verdade única, exclusiva, objectiva, externa ou transcendente. A verdade é ilusória, íntima, subjectiva. Tudo é significado e significado é tudo
O conceito de pós-modernismo trata-se de um termo criado, a partir da segunda metade do séc. 20 para descrever fenómenos associados a um processo de mudanças na história do pensamento e da técnica. Desde a década de 80, desenvolve-se um processo de construção de uma cultura a nível global. Não apenas a cultura de massas, já desenvolvida e consolidada desde meados do séc. 20, mas um verdadeiro sistema mundo cultural que acompanha o sistema mundo político-económico resultante da globalização. A pós-modernidade é um modelo em que a comunicação e a indústria cultural ganham papéis fundamentais na difusão de valores e ideias do novo sistema.


Texto 3

Por que será que as Ciências Sociais se interessam pelas vidas e vozes das pessoas? As histórias de vida são, actualmente, utilizadas em diferentes áreas das ciências humanas e da formação, através da adequação dos seus princípios epistemológicos e metodológicos a outra lógica da formação do adulto, a partir dos saberes tácitos ou experienciais e da revelação das aprendizagens construídas ao longo da vida como uma metacognição ou metareflexão do conhecimento de si. As histórias de vida, constituem um instrumento privilegiado de se construir conhecimento sobre o modo como as pessoas vivem/viveram a sua vida pessoal e profissional. Através desta metodologia é possível ter acesso, em “primeira mão”, ao conhecimento e compreensão do processo de vida das pessoas. Por outro lado, permite que as pessoas reflictam sobre a sua vida pessoal e profissional, em ordem à apropriação da experiência vivida e à aquisição de novas percepções sobre eles próprios, o que pode contribuir para o seu desenvolvimento pessoal e profissional. Uma das principais características das histórias de vida reside no facto de constituir uma linguagem, pois, a “vida” é expressa numa linguagem que é específica de cada pessoa. Independentemente da especificidade de cada pessoa, todas gostam de contar histórias sobre si próprias e sobre os outros e de ouvir as histórias que os outros têm para contar. Uma vez que a vida quotidiana é vivida diferentemente segundo as idades e as personalidades, a história de vida é um verdadeiro espelho do sujeito enquanto actor, ser social e ser comunicativo. A história de vida é a narrativa que cada pessoa faz de si mesmo. Cada história de vida, cada percurso, é único, tentar tirar conclusões generalizadas seria completamente absurdo. Importante na história de vida é a sua penetração na realidade subjectiva da pessoa, permitindo que fale de si mesmo. O estudo referente à vida das pessoas pode ajudar a ver a pessoa em relação com a história do seu tempo, permitindo interpretar a intersecção entre a história de vida e a história da sociedade.
A história de vida é a narrativa que cada pessoa faz de si mesmo As histórias e as narrativas são lugares comuns na vida quotidiana. As narrativas ajudam a dar sentido aos acontecimentos da nossa vida. A história é a reconstrução da memória através de uma narrativa, individual ou colectiva e, ao mesmo tempo, pode constituir um mosaico de lembranças quando passa a ser o conjunto de histórias de um determinado grupo social. A narrativa consolida valores e norteia a compreensão do presente, para o indivíduo e o grupo. Os protagonistas da história são as pessoas, são elas que fazem a história quotidianamente. As pessoas são, ao mesmo tempo, agentes e narradores das suas narrativas. As narrativas permitem perceber como o individual e o social estão interligados, como as pessoas lidam com as situações da estrutura social mais ampla que se lhes apresentam no seu dia a dia. Permite reflectir a respeito da memória para além do que fica em registo, permite interpretar o que corresponde à realidade, mas também o que corresponde a uma certa “invenção” da realidade. Permite também recuperar aquilo que está mais escondido e que a narrativa pode ajudar a desbloquear. Na história de vida, a análise dos relatos assume um significado mais amplo, quando inscrito num marco teórico ou num contexto que lhe atribua sentido, pois, sempre que se dispensam valores, factos políticos, contextos históricos, a tentativa de entender a situação em estudo fica mais enfraquecida. O referencial teórico é o espaço em que se inscreve, necessariamente, o problema da pesquisa, bem como, onde se observam as maiores preocupações do investigador. Relativamente ao processo de construção das histórias de vida, deve sempre ter-se em conta que deve partir de uma interrogação, de uma questão de partida. Um relato biográfico é um documento de recolha de informação sobre uma experiência vivida por uma pessoa e contada pelas suas próprias palavras, é um tipo de investigação qualitativa de carácter descritivo em que o relato pessoal adquire fundamental importância. Com o relato biográfico pretende-se conhecer a realidade de uma pessoa através das suas próprias palavras, procurando aprender o que de mais importante é para essa pessoa, significados que atribui às “coisas”, perspectivas sobre a “vida” e a forma como “ lê” o mundo. Através do relato biográfico a pessoa redescobre o lado agradável de falar de si e explorar um passado que é reconstituído no presente. Importante no relato biográfico é também o seu carácter de não neutralidade para quem fala da sua vida. As recordações não são neutras porque recordar a prática do dia a dia já vivida não é somente recordar factos, de uma forma consciente, mas uma questão de reviver certos acontecimentos, ser capaz de os reordenar, dando forma a sentimentos, estabelecendo relações entre o que foi vivido. Num tempo em que se redescobre o valor do quotidiano, do local, do singular, os relatos de vida constituem um momento de fascínio tanto para o que relata como para o que investiga. Há vários géneros de relatos de vida:
- "O relato único", em que se tem em conta a singularidade do sujeito, abordada através de entrevistas ou etapas múltiplas, podendo tal relato ser a obra comum de um narrador e de um entrevistador;
- "O relato de vida de grupo - Relatos de vida cruzados" , praticado por certos sociólogos, em que se dá preferência o grupo relativamente ao indivíduo, virão explicitar que por "Relatos de vida cruzados" se entenderá o "estudo de um grupo dado” (frequentemente uma comunidade rural, mas igualmente um bairro de cidade, um atelier de fábrica, etc.) que parte da recolha de testemunhos junto dos diferentes membros de um grupo, não existindo então interlocutor privilegiado, não havendo um 'ego' sobre o qual a pesquisa seja focalizada"];
-"Os relatos de vida acumulados", em que não há, à partida, uma temática escolhida que focalize os relatos sobre uma certa categoria de momentos e de acontecimentos vividos e de reflexões do sujeito, sendo fornecido ao narrador, a maior parte das vezes, um guia-plano para o relato autobiográfico.
Segundo Guimarães (2005) o Relato de Vida é completo se, à partida, não fica de fora nenhuma trajectória de vida e cobre a globalidade da existência do narrador. Há dois tipos de materiais que podem ser utilizados na abordagem biográfica, os materiais biográficos primários, isto é, as narrativas ou relatos autobiográficos recolhidos por um pesquisador, em geral através de entrevistas realizadas em situação face a face e os materiais biográficos secundários, isto é, os materiais biográficos de toda espécie, tais como: correspondências, diários, narrativas diversas, documentos oficiais, fotografias, etc., cuja produção e existência não tiveram por objectivo servir a fins de pesquisa. Qualquer produto auto-revelador, que produza informação intencional ou não, que contemple a estrutura, a dinâmica e funcionamento da vida mental da pessoa, pode definir-se como documento pessoal.

Texto 4

A utilização do termo história de vida corresponde a uma denominação genérica em formação e em investigação, visto que se revela como pertinente para a autocompreensão do que a pessoa é, das aprendizagens que construiu ao longo da vida, das experiências que teve, do conhecimento que tem de si e dos significados que atribuí aos diferentes aspectos da vida individual e colectiva. Classificada como método, como técnica e ora como método e técnica, a história de vida, apresenta diferentes variações face ao contexto e campo de utilização. Josso (2002) e Pineau (2006), referem que a historia de vida tanto é método, porque no seu processo histórico, acumulou larga fundamentação teórica, quanto é técnica, porque também gozou de conflitos, consensos e implicações teórico-metodológicas sobre a sua utilização. Apesar de uma certa indefinição, quer epistemológica, quer metodológica, as histórias de vida continuam a afirmar-se, podendo ser situadas em três campos, no campo da investigação, no campo da formação e no campo da intervenção social. Esta diversidade reflecte diferentes perspectivas teóricas e metodológicas do trabalho com a abordagem biográfica ou das histórias de vida no campo das ciências sociais. Para Pineau a diferenciação terminológica leva à classificação de quatro categorias: a biografia, a autobiografia, os relatos orais e as histórias de vida. A biografia é o escrito da vida do outro. A autobiografia expressa o escrito da própria vida, mas, opondo-se à biografia, porque o sujeito vive o de actor e autor de suas próprias experiências, sem que haja uma mediação externa de outros. A autobiografia expressa o escrito da própria vida, caracterizando-se como oposta à biografia, porque o sujeito desloca-se numa análise entre o papel vivido de actor e autor das suas próprias experiências, sem que haja uma mediação externa de outros. O relato de vida, segundo Pineau, insiste sobre o enunciado de uma intriga sem privilegiar o escrito ou o oral, utilizando-se em processo de investigação e formação, como também em investigação e intervenção. Segundo Pineau foi D. Bertauxquem introduziu a utilização dessa abordagem, numa perspectiva sociológica, na França. A utilização do termo História de vida corresponde a uma denominação genérica em formação e em investigação, visto que se revela como pertinente para a autocompreensão do que somos, das aprendizagens que construímos ao longo da vida, das nossas experiências e de um processo de conhecimento de si e dos significados que atribuímos aos diferentes fenómenos que mobilizam e tecem a vida individual e colectiva de cada pessoa. Pineau e Le Grand (2002) faziam referência a outros modelos, o modelo biográfico, o modelo autobiográfico e o modelo interactivo ou dialógico. Em relação ao modelo biográfico, afirmam os autores que existe um distanciamento entre o sujeito e o pesquisador, tendo em vista construir um saber objetivo e disciplinar exercido pelo pesquisador. No que concerne ao modelo autobiográfico, existe uma eliminação do pesquisador, porque a expressão de sentido e a construção da experiência centram-se na singularidade e subjetividade do sujeito. Por fim, o modelo interactivo ou dialógico adopta uma nova relação de lugar entre o pesquisador e os actores sociais, tendo em vista uma co-construção de sentido, porque não é redutível à consciência que tem dela o sujeito e também à análise construída pelo pesquisador. Compreendo que a dimensão interactiva e dialógica, utilizada na abordagem biográfica, possibilita apreender as memórias e histórias de formação no sentido da investigação/formação tanto para o pesquisador, quanto para os sujeitos envolvidos e implicados com o projeto de formação. Ferrarotti (1988), ao discutir ‘Sobre a autonomia do método autobiográfico’, afirma que as pesquisas sobre história de vida centram-se numa abordagem das narrativas autobiográficas e utiliza a expressão “método biográfico” referindo-se aos relatos autobiográficos. Para Ferrarotti, a utilização do método biográfico, numa perspectiva sociológica, corresponde a uma dupla exigência, caracterizando-se inicialmente como uma necessidade de renovação metodológica e como forma de rompimento com a metodologia clássica das ciências sociais centradas na objectividade e na intencionalidade nomotécnica. Nóvoa (1988) utiliza os parênteses (auto) biográfico, tendo em vista a simplificação que faz ao duplo sentido da expressão, como movimento de investigação e de formação, evidenciando-se a narrativa do actor social. Para Nóvoa há um conjunto de concepções e de estratégias que se acomodam sob a designação de “histórias de vida”. A situação complica-se quando se menciona a heterogeneidade de modos de trabalho e técnicas de investigação. Nóvoa assinala sete aspectos relativos à história de vida, que se prendem com a utilização de materiais já existentes (memórias, diários), com a reflexão baseada essencialmente em materiais escritos ou orais, o tipo de acordo celebrado entre “investigador” e “narrador” relativamente à análise do material (auto)biográfico, o número de casos em que se baseia o estudo, o contexto e a forma de produção do material (auto)biográfico e as técnicas utilizadas para mobilizar as histórias de vida (narrativas, diários, fotografias, técnicas de análise dos documentos (auto)biográficos). Nóvoa (1992) num estudo sobre os professores e as histórias de sua vida apresenta um quadro significativo sobre as pesquisas que adoptam a história de vida para compreender a formação, a produção da profissão e as práticas docentes No que toca à formação de professores, Nóvoa afirma que, no campo da literatura pedagógica, a obra “O professor é uma pessoa” destaca grande importância e significado sobre o processo de formação. Os vários estudos e publicações sobre a vida dos professores, carreiras e trajectórias de formação, com base na utilização de biografias e autobiografias, revelam-se muito importantes, pois permitem recolocar os professores como objecto do debate sobre as pesquisas educacionais. Por sua vez, Moita (1992) refere que abordagem (auto)biográfica, método biográfico são expressões mais genéricas ligadas a outra que é mais comum – histórias de vida. Segundo o autor, na abordagem (auto)biográfica o saber que se procura é do tipo compreensivo, hermenêutico profundamente enraizado nos discursos do narrador; o tipo de enfoque do estudo exclui a formulação de hipóteses a serem sujeitas a verificação, uma vez que não se procura a relação entre variáveis, porém, é fundamental a definição dos eixos de pesquisa que explicitem e delimitem o campo da investigação. O quadro de análise interpretativo da história de vida é elaborado de um modo coerente com o objectivo da pesquisa, o problema consiste em ordenar, compreender sem desnaturar, sem violentar, sem impor um esquema preestabelecido. Para Moita (1992) cada história de vida é única, pelo que tentar elaborar conclusões generalizáveis seria absurdo, sendo que pode é ler-se o geral a partir de uma singularidade, o que exige grande esforço.



Texto 5

As histórias de vida têm sido muito utilizadas numa dupla dimensão, como instrumento de formação e como metodologia de investigação. Os mais de vinte anos de pesquisa e a existência da “segunda geração” de investigadores que têm utilizado as histórias de vida e as biografias educativas, nestas duas vertentes, permitiram a construção e disseminação de conhecimentos sobre os processos de formação dos adultos, tendo por base as suas vidas. Esse conhecimento tem sido de grande riqueza, pois através da análise das histórias de vida e da singularidade de cada percurso de formação é possível identificar regularidades. Para Boaventura Sousa Santos (2000) a história de vida é um instrumento de emancipação da pessoa, na medida em que a sua história, memórias, trajectórias de vida, diferentes formas de estar no mundo, interrogações, inquietações, são elementos muito importantes no campo da investigação, desde a problematização inicial à configuração final do objecto de pesquisa. No campo da investigação a história de vida deve incluir três momentos. Um momento exploratório, que corresponde a uma fase exploratória em que o narrador conta, não a sua vida, mas um dia da sua vida, as sus rotinas diárias, é o momento de estabelecer confiança e simpatia. É o momento de destruir barreiras. É a fase da recolha da informação. Um segundo momento descritivo. È a fase de organizar a informação e dar-lhe sentido. Dá uma primeira imagem da história de vida. É o primeiro resultado obtido que permite iniciar a interpretação do social. Na descrição deve estar presente a etnografia dos espaços relativos ao sujeito estudado, nomeadamente casa, trabalho, recreação, cenários de vida a que atribui importância. A fase descritiva permite reconstituir a vida da pessoa, as suas relações pessoais, profissionais, institucionais, conflitos, percepções, significados. Finalmente um momento analítico. As histórias de vida têm um movimento em que se pretende passar da análise da história individual á análise da vida social. Por vezes, as histórias de vida, na sua fase exploratória, são relatos desconexos e espontâneos que passam a descrições coerentes. Com base num reflexão crítica vão se definindo espaços vitais e situações mais fortes carregadas de significado de acordo com o objecto de estudo. Nesta fase há que dar um salto da reflexão concreta a uma reflexão mais teórica. È o momento de ultrapassar o conhecimento do senso comum. Para isso o investigador terá de debruçar-se tranquilamente sobre cada um dos cenários mais importantes e sobre as situações mais críticas para reflectir sobre elas. Através da interpretação e articulação temporal do passado, presente e futuro, vai construir numa história com um sentido
Relativamente à formação, as histórias de vida e o método (auto) biográfico integram-se no movimento actual que procura repensar as questões da formação, reforçando a ideia de que ninguém forma ninguém, a formação é resultado da reflexão sobre as experiências vividas (Nóvoa, 1988). As histórias de vida, a partir da compilação de relatos de vida, servem para estabelecer trajectórias e percursos profissionais, que servem não só a investigação etnográfica e sociológica, mas também como campo de formação, como arte formadora da existência (Pineau, 1996). Josso (2002) distingue as histórias de vida como ‘projecto de conhecimento’e as histórias de vida ao serviço de projectos. No primeiro caso, o relato oral, tenta abranger a totalidade da vida nos seus diferentes registos, bem como na sua duração, mas na maior parte das vezes dá-se o segundo caso, em que a história produzida pelo relato é limitada a uma entrada que visa fornecer o material útil a um projecto específico. Se a intenção é produzir conhecimento sobre algum tema ou situação utilizando relatos teremos como resultado trabalhos que, colocando-se num novo paradigma são bastante distintos daqueles em que o método autobiográfico opera como instrumento de formação e funciona como projecto de conhecimento global do sujeito. As experiências e seminários desenvolvidos desde a década de 80 pelo grupo da Universidade de Genebra, a partir das discussões sobre autoformação através da abordagem das histórias de vida por parte do sujeito aprendente marcam a entrada e a utilização das biografias educativas como potencializadoras para a compreensão do processo de formação. Nesse sentido, afirma Dominicé (1988) que a biografia é um instrumento de investigação e, ao mesmo tempo, um instrumento pedagógico. Esta dupla função da abordagem biográfica, caracteriza a sua utilização em ciências da educação. Tanto para Pineau quanto para o grupo de Genebra (Dominicé, Finger e Josso) a biografia educativa vincula-se à Educação Permanente do adulto e instaura-se na singularidade da autoformação, não comportando generalizações no campo da investigação. Josso (2002) denomina as histórias de vida de narrativa (auto) biográfica ou narrativa de formação por entender que as mesmas possibilitam analisar possíveis implicações da utilização deste recurso metodológico como fértil para a compreensão de memórias e estórias em processo de formação. O percurso cronológico das histórias de vida e os estudos realizados em diferentes campos do conhecimento têm permitido compreender melhor e reafirmar a abordagem biográfica e a utilização da narrativa (auto) biográfica como opção metodológica mo campo da formação de professores, visto que a mesma possibilita inicialmente um movimento de investigação sobre o processo de formação e, por outro lado, possibilita, a partir das narrativas (auto) biográficas, entender os sentimentos e representações dos actores sociais no seu processo de formação e autoformação. Partindo do princípio de que as pessoas são autores de sua própria existência e que essa autoria é o material básico do processo social, poder-se-á analisar as relações subjetividades/práticas profissionais que, a partir das acções do quotidiano, permitem aos sujeitos desenharem o diagrama das suas vidas. O acto de narrar a própria vida, mais do que contar uma história sobre si, é um acto de conhecimento. A narrativa permite enriquecer, ao partilhar experiências, o diálogo com o outro. A narrativa autobiográfica é um relato “vivo”, de um sujeito historicamente datado e socialmente situado, um relato que revela modos de pensamento e reflecte formas de organizar, criar e recriar quotidianamente o mundo. Na narrativa autobiográfica o sujeito exprime-se a si mesmo, o que significa, fazer de si um objecto para o outro. Produzir relatos de vida é, do ponto de vista da formação, um exercício de problematização do quotidiano que desafia o investigador a elaborar novas configurações teórico-metodológicas que apontem para novas possibilidades interpretativas da prática profissional. Ao falar da sua história de vida, ao narrar-se, tornar-se autora da sua trama de vida. As narrativas revelam saberes, que contam uma história de vida, construídos na prática da vida e da profissão, por isso mesmo, saberes essenciais à formação e à (auto)formação. No que diz que respeito à formação, procura-se, através das narrativas, desenvolver uma acção reflexiva que permita olhar transversalmente as experiências vividas, a realidade, o mundo e a cultura. As narrativas formam um caleidoscópio de vidas que se entrelaçam e se misturam, em que as histórias pessoais das pessoas se interpenetram e se reflectem mutuamente. Com base no longo trabalho sobre as Histórias de Vida e encarando a formação do ponto de vista do aprendente, Josso (2002) refere que os desafios da dialéctica entre indivíduo e colectivo são formadores na medida em que as actividades, as situações, as interacções o forçam a reconsiderar ou a reconstruir ideias, soluções e comportamentos. As experiências formativas tanto são as que alimentam a autoconfiança como as que alimentam as dúvidas, os erros e o questionamento.
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Texto 6

O que significa sermos os autores da nossa vida? Até que ponto o nosso percurso é escolhido, imposto, negociado, adiado ou negligenciado? Sendo a vida de cada pessoa uma das matérias-primas para a sua auto-construção, a noção de percurso biográfico é abordada tendo por base os trabalhos desenvolvidos pelos investigadores que se têm dedicado às Histórias de Vida enquanto processo de formação. A história de vida é a narrativa que cada pessoa faz de si mesmo. As histórias e as narrativas são lugares comuns na vida quotidiana. As narrativas ajudam a dar sentido aos acontecimentos de nossa vida. A história é a reconstrução da memória através de uma narrativa, individual ou colectiva, que pode constituir um mosaico de lembranças quando passa a ser o conjunto de histórias de um determinado grupo social. A narrativa consolida valores e norteia a compreensão do presente, para o indivíduo e o grupo. Os protagonistas da história são as pessoas, são elas que fazem a história quotidianamente. As pessoas são, ao mesmo tempo, agentes e narradores das suas narrativas. As narrativas produzidas através dos relatos biográficos permite articular biografia e história, permite perceber como o individual e o social estão interligados, como as pessoas lidam com as situações da estrutura social mais ampla que se lhes apresentam no seu dia a dia. Permite reflectir a respeito da memória para além do que fica em registo, permite interpretar o que corresponde à realidade, mas também o que corresponde a uma certa “invenção” da realidade. Permite também recuperar aquilo que está mais escondido e que a narrativa pode ajudar a desbloquear. As histórias de vida são constituídas por relatos que se produzem com o objectivo de reproduzir uma memória pessoal ou colectiva, que faça referência ao modo de vida de uma pessoa ou comunidade num determinado período da vida dessa pessoa ou da comunidade. Esta é o principal aspecto que diferencia a história de vida de outros materiais como histórias pessoais, contos populares, tradição oral. É uma investigação antes qualitativa que quantitativa, apoiada em instrumentos privilegiados da pesquisa narrativa (as notas sobre o terreno, o diário, as cartas, o diálogo, a entrevista), para que, a partir de fragmentos do passado, se possa reconstruir a sua história. Guimarães (2005) refere que no âmbito das histórias de vida existem dois tipos de pesquisa que, possuindo diferenças significativas, ambas dão contributos importantes às Ciências Sociais. Por um lado, a pesquisa Paradigmática, em que os dados recolhidos são relatos contados, são narrativas ou histórias (stories) em que o processo analítico, partindo de histórias, identifica aspectos particulares dos dados, tipologias ou categorias. Através deste tipo de investigação produz-se conhecimento de conceitos que assentam num raciocínio que procura regularidades e generalizações baseado na ideia de um sistema de descrição e explicação. Por outro lado, existe a Narrativa que procura recolher descrições de eventos, acontecimentos e acções. A análise dos dados coligidos produz histórias (stories), isto é, histórias de vida assente em representações expressivas de intenções, pensamento e acção humana e das relações entre acontecimentos e seus significados. Huberman (1992) referem que a abordagem narrativa é coerente com a orientação pós-moderna pois as pessoas gostam de contar histórias, o que determina que as narrativas seja um meio privilegiado de conhecer o modo o como as pessoas se situam face à vida. O relato de vida como narrativa realizada a partir da trajectória de vida da pessoa diferencia-se da história de vida porque esta se caracteriza pelo resultado da relação estabelecida com um contexto histórico e social. Esta conexão entre individual e colectivo realiza-se com a intervenção de terceiros, pois a história não fala por si mesma, precisa ser organizada e contextualizada. Por sua vez, Kelchtermans (1993) refere que é sob a forma de narrativa que as pessoas relatam as suas experiências, valorizando o significado que tiveram para si. O conhecimento é uma pluralidade de narrativas de natureza pessoal em permanente construção face às interacções com o social, (Heikkinen, 2000). Segundo Polkinghorne (1995) o termo narrativa pode encerrar diferentes significados. No seu sentido mais amplo, narrativa é sinónimo de prosa, forma natural e mais vulgar do texto do corpo de dados da investigação qualitativa. Narrativa pode também querer referir o processo de fazer uma história, o esquema cognitivo da história, ou o resultado de tal processo, chamado de “story”, conto, ou história (history, acontecimentos agrupados e interligados num todo organizado temporalmente). A definição mais restrita de narrativa, associada à story é o tipo de discurso que liga diversos eventos, acontecimentos e acções da vida humana a processos dirigidos para objectivos relativos a uma temática. Goodson (2000) distingue life story de life history, considerando a primeira como uma reconstrução pessoal da experiência, a qual permite ao pesquisador obter dados, geralmente a partir de entrevistas não estruturadas. O pesquisador busca suscitar as percepções do entrevistado, estimulando-o a contar estórias. Neste caso o pesquisador tem uma postura relativamente passiva, em lugar de prontamente ir colocando interrogações. Já com relação à life history é diferente. Esta começa com uma story, porém procura ir adiante, construindo questões a partir de outras informações como, por exemplo, depoimentos de outras pessoas, evidências documentais ou informações históricas disponíveis. Por sua vez, Bertaux (1981) distingue estórias de vida, relatos sobre a vida de alguém narrados oralmente pela própria pessoa, de histórias de vida, trabalho com diversos tipos de documentos com vistas a estudar a vida de uma pessoa, ou grupo, e que portanto inclui a primeira abordagem. Em qualquer um dos casos não é necessário que se aborde o percurso inteiro de vida e nem todos os seus aspectos. Toda a história de vida encerra um conjunto de depoimentos. Quando se trabalha com um conjunto de depoimentos, cada depoimento contribui para a investigação, isolando acontecimentos ou indivíduos, complementando informações, oferecendo os elementos necessários para a construção do contexto social ao qual a investigação se refere. Os depoimentos, além de serem utilizados como fontes de pesquisa, também recebem o estatuto de documentos, formando acervos que são organizados em arquivos, podendo ficar à disposição tanto do investigador como da pessoa estudada. Depoimento é uma técnica utilizada para obter declarações de um entrevistado sobre algum acontecimento no qual tenha tomado parte ou que tenha testemunhado. Num depoimento podemos considerar vários aspectos. Primeiro que tudo temos o Tema que, em geral, é oferecido ao entrevistado e tem estreita relação com o problema de pesquisa, daí a importância do guião de entrevista que permita um bom desenvolvimento do tema. Depois, temos o Episódio que é o elemento mais próximo da organização do texto do depoimento. Os episódios são parcialmente orientados pelo guião da entrevista e marcados por recortes espacio-temporais, configurando-se como unidades de desenvolvimento da narrativa e estando relacionados com as diversas fases da vida de cada indivíduo entrevistado. Cada episódio, além de poder apresentar sub-temas, inclui um conjunto de marcos cronológicos e espaciais. Ao se trabalhar com um conjunto de depoimentos, vamos identificar determinadas Referências, ou uma referência comum, uma data, por exemplo, que poderá auxiliar na construção do eixo diacrónico ao qual se prendem as narrativas. A citação de datas, locais, acontecimentos do domínio público e personalidades públicas permite uma leitura conjunta e a construção de um contexto onde estão inscritas as lembranças do entrevistado. Essas referências situam episódios e entrevistado num quadro mais amplo que encerra um determinado Motivo que precisa ser identificado. O motivo é o sub-tema particular, é o elemento que deve ser entendido como aquele que distingue um episódio de outro, a partir da significação que ele encerra no conjunto do depoimento. Finalmente temos a Trama que é a maneira como o entrevistado organiza o seu depoimento, sendo percebida pelo encadeamento dos episódios. Cada entrevistado faz o seu depoimento evidenciando uns aspectos e omitindo outros. A trama identifica a disposição pessoal do entrevistado que está relacionado com a sua percepção do real. Uma percepção orientada por valores sócio-culturais e que individualiza um depoimento em relação a outro, ainda que sejam construídos com base num mesmo tema. Por sua vez, a matéria prima dos depoimentos, com os quais o investigador trabalha na recolha de dados orais, são as lembranças. As lembranças não vivem no passado, precisam de um tempo presente para serem recolocadas face a um sentido relacional, não se apresentam isoladas e envolvem factos e pessoas. A pessoa pode não se lembrar da data precisa de um acontecimento, mas lembrar-se mais ou menos quando ocorreu. À medida que os acontecimentos se distanciam no tempo, há a tendência para os recordar sob a forma de acontecimentos, de entre os quais lembram melhor uns que de outros. Segundo Halbwachs (1990) as memórias individuais são construídas a partir das experiências dos indivíduos no interior de grupos sociais. Para o autor a memória é um fenómeno social que se manifesta de forma colectiva, individual ou histórica. É colectiva porque está relacionada coma vida da pessoa e em que o passado faz parte da consciência de um grupo social. A memória individual é um ponto de vista sobre a memória colectiva. A memória histórica é uma forma de conhecimento do passado. Recordar constitui um acto de conhecimento (cognitivo), que o indivíduo com um certo distanciamento produz sobre situações vividas no passado. Na maior parte das vezes, recordar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com ideias de hoje, experiências do passado. O indivíduo ao recordar, oferece uma descrição dos acontecimentos ocorridos que supõem já uma certa análise desses mesmos acontecimentos, dada a distância temporal em que ocorreram e a sua maneira de avaliar essas experiências vivenciadas. A ideia de que a memória tem valor social potencia cada pessoa a tornar-se agente da sua história de vida e, também, da história do grupo a que pertence.

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