2010-04-05

Cometário ao vídeo "Chimamanda Adichie"

A História de Vida, à semelhança de qualquer narrativa, cumpre a sua finalidade na medida em que desenvolve mecanismos que lhe permitem estabelecer com quem a lê ou ouve um pacto inquebrável de confiança. De facto, enquanto lê ou ouve a História de Vida, a tendência do leitor ou ouvinte é não questionar a História, pois também não questiona a história. Ouve/lê e acredita.
Por isso, é, de facto, perigoso haver Histórias únicas. Porque, na maior parte das vezes, não questionamos – mais, não nos permitimos questionar - o que é contado. Entendemos a História única não apenas como verdadeira, mas como dogmática, isto é, inquestionável, uma verdade de fé, de crenças construídas com base naquilo que alguém decidiu que, por motivos políticos, religiosos, ou outros, seria instituído como verdade. É o poder ou a falta dele que determina Histórias únicas que, por vezes, perduram para sempre, pese embora possam existir muitas evidências que ponham tais Histórias em causa. Ao invés de valorizarmos as evidências de outras Histórias possíveis, minimizamo-las, relativizamo-las, tornamo-las insignificantes, para que a História única, aquela que desde sempre aprendemos era verdade, se perpetue.
Na realidade, poderíamos substituir tudo o que já dissemos pela palavra opressão. Histórias silenciadas oprimem, porque retiram às pessoas, às comunidades, às nações, à humanidade, a possibilidade de ver contada a multiplicidade de olhares e de potencialidades que compõem todas as dimensões do humano. Quem é oprimido é dependente de quem é opressor. Quem é oprimido aprende que precisa da ajuda paternal do opressor. Quem é oprimido, muitas vezes, não sabe que o é.
As Histórias múltiplas, neste contexto de opressão, são perigosas pois significam a possibilidade de libertação, de humanização, de empowerment. Não pensamos que se trate apenas de uma questão de repor a verdade. O que é a verdade? Será que se uma História de Vida for verdade, a outra (sobre a mesma pessoa) tem de ser mentira? Não poderão existir várias verdades? A verdade não será definida pela identificação por aproximação ou distanciação que cada um faz perante essas mesmas Histórias? A verdade de um não é necessariamente a verdade – nem a mentira – de outro. Podem existir várias verdades que não se invalidem mutuamente. Por exemplo, diz-nos uma História que Hitler foi um dos maiores tiranos de sempre, um homem sem respeito pela vida humana, um assassino. Uma outra História diz-nos que Hitler era doente psiquiátrico, profundamente infeliz, traumatizada, com uma ambição sem limites. Uma outra História diz-nos que muitos judeus viviam, em geral, da usura, e não raras vezes, tiveram, para além de conhecimento e cultura superiores, poder suficiente para colocar nas suas mãos nobres e, inclusivamente, reis. Este é um motivo histórico pelo qual foram tão odiados em tantas partes do mundo. E uma outra História quase desconhecida diz-nos que o Holocausto de Hitler vitimou ainda mais ciganos que judeus. Só que, contrariamente aos judeus, os ciganos nunca tiveram poder para contar a sua outra História… Será que alguma destas Histórias invalida a realidade da chacina de que os Judeus e os ciganos foram alvo? Obviamente que não. Mas ajudam-nos a compreender melhor as circunstâncias de uma realidade, a qual é sempre múltipla, sendo que a coerência humana é sempre uma construção à posteriori. Neste sentido, as Histórias múltiplas são verdades que nos ajudam a ficar mais próximos de uma realidade inalcançável: a História que, de facto, aconteceu (e acabou) num tempo e num espaço determinados, e à qual só podemos ter acesso através da mediação das palavras (de histórias) e de um exercício de interpretação que, por mais que desejássemos, nunca nos conduzirá à História verdadeira, mas às Histórias verosímeis.

Grupo de trabalho: Dora , Leila, Margarida Correia, Sílvia Vaz e Sara Guerreiro

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