A propósito do dia 17 de Outubro…
“ O Mundo só pode ser
melhor do que até aqui,
- Quando consigas fazer
mais p’los outros que por ti”
(António Aleixo)
Não é a mais sentida e muito menos a mais visível, mas a pobreza de espírito, de ideais, de sonhos, consequentemente “filha” da pobreza real, palpável, visível, mal-cheirosa, assassina de mentes e corpos! Não é a mais sentida, felizmente, e felizmente também, passou longe de António Aleixo que “enriqueceu” sempre a sua pobreza material com a ironia, com a métrica perfeita das suas quadras, e “alimentou”, segundo Natália Correia, os “subalimentados da cultura”, a quem ela avisava que a “poesia também se come”, mas onde nas mesas fartas não era servida, não cabia, essa cultura. Ah! Mas comiam-na.
Nas ruas por onde ele, de barriga vazia, mas cabeça cheia e bem nutrida de sonhos e consciência, vendia a “sorte” a quem passava e oferecia uma “definição” de VIDA, repentista e quase sempre certeira e descritiva das qualidades e defeitos do “presenteado”. Ele nunca deixou de alimentar o sonho, o “tal” que faz caminhar, e não nos deixa esquecer que em qualquer lugar, no fim do arco-íris está “aquele” pote que nunca ninguém encontrou, mas que não deve deixar de procurar. Nunca.
Depois do convidado, Dr. José Amaro, assessor do Presidente da Câmara Municipal de Faro, nos ter quantificado o que todos vemos nas ruas e jardins de Faro, e nos ter relembrado que a distância entre Faro e as suas Freguesias Rurais, torna o concelho disperso e facilita o “tapar” de situações de pobreza extrema, FOME MESMO. Depois de nos ter avisado que foram identificadas mais zonas onde a pobreza impera, camuflada, é quase como convidar-nos à revolta, ao desejo de lá ir e de ajudar. Mas isso são desejos que postos em prática, só poderão resolver uma situação pontual e demonstrar mais uma vez que “quem precisa, precisa sempre e que quem ajuda não pode ajudar sempre” e que ninguém tem “direito” a ter o seu “pobrezinho” particular que ajuda a acalmar consciências e adormecer a legítima indignidade que tal situação tem o dever de provocar.
“Quando a noção do dever
nos der ampla liberdade,
acabará por esquecer
a palavra “caridade”
(António Aleixo)
O Banco Alimentar, a rede, que se pretende mais completa e abrangente, de cuidados domiciliários de ajuda aos mais idosos e doentes, aliviando a carga de familiares tantas vezes mais que sobrecarregada pelo peso da própria vida, o diagnóstico dos problemas existentes no concelho e algumas metas e processos de intenção (algo vagos) para a sua resolução, deram-me a sensação de estar a utilizar paliativos, só!
Tudo é louvável, tudo demonstra pelo menos que não existe uma total insensibilidade e desconhecimento de uma realidade que é impossível ignorar, pois nem é necessário procurar muito para esta realidade nos entrar pelos olhos, na nossa terra, para nos entrar pela nossa casa, a do país e do mundo, através dos media. Mas também as causas que provocam esta exclusão social (o encerramento de fábricas, a precariedade do emprego, a sensação de falta de segurança que é transmitida a quem vive do seu salário e que a quem só é permitido sonhar a prazo) a quase aniquilação da classe média tornando o fosso entre os ricos e pobres cada vez mais profundo e largo, faz-nos reflectir, e na quentura da indignação surgem-nos frases feitas e batidas como “tanta casa sem gente, tanta gente sem casa”, as cotas impostas pelo mercado que fazem com que alimentos sejam enterrados e jogados fora, em nome de uma economia de mercado, e onde tanta “gente sem casa” é também tanta “gente sem pão” que a reflexão nos leva a sonhar com uma articulação de esforços que faça com que o excesso possa suprir a necessidade. Que nos desperta sentimentos de necessidade de uma justiça célere, que gostaríamos de partilhar com o PODER LOCAL e que este tomasse medidas relacionadas, dentro de toda a legalidade democrática, sobre “tanta casa sem gente”, e respeitando o direito à propriedade privada, exigisse desses proprietários que as querem manter vazias, o dever de as conservar em perfeitas condições, para não representarem um perigo para a integridade física de quem passa junto delas (muitas em risco de queda), para a saúde e segurança, pois, quase sempre são arrombadas e servem para os mais diferentes fins (oferecendo tecto aos sem abrigo, e devido à falta de higiene praticada por quem já desistiu de tudo e já se esqueceu da dignidade com que um ser humano deve viver, oferece também tecto a uma infindável bicharada que alegremente partilha espaço com pedaços de roupa suja, seringas usadas e possívelmente infectadas, restos de comida.
“Quando um náufrago se estafa,
julga ver – triste ilusão! –
na rolha de uma garrafa
a bóia de salvação!”
(António Aleixo)
Tudo isto paredes meias com casas habitadas por famílias mais ou menos estruturadas, onde existem filhos (crianças) que se desejam curiosas, e portanto em risco quase constante.Não conhecendo legislação e atirando para discussão ideias, que me parecem oferecer soluções para retirar das ruas e oferecer uma cama, um chuveiro, um tecto, limpos a quem deles necessita, pergunto se não seria possível estudar a hipótese de permuta com esses proprietários relapsos, propondo por exemplo, ou a conservação de suas propriedades ou a recuperação camarária e o direito de utilização por determinado espaço de tempo, dessas instalações, como albergue, abrigo temporário (sem imposição de data de saída fixa para os casos que ainda não tenham encontrado solução) ou mesmo realojamento, evitando assim a criação de guethos e promovendo a inclusão social de pessoas que parecem já ter desistido da vida e a quem às vezes só falta o calor de uma mão, que há muito não lembram, a preocupação de um outro ser igual. E que tal promover umas formações de acordo com as competências, que um avaliador qualificado, detecte que sejam necessárias para o reaprender da vida em sociedade? E o resgatar da saúde física e mental, perdida nesses tempos de excessos ou de uso das únicas substâncias de que dispunham e os “alimentava” para os que dessa recuperação necessitem e requisitem? E ao mesmo tempo procurar saber se existem programas, ou criar programas de formação profissional e cívica que integrem essas pessoas no trabalho e lhes confiram a dignidade de um salário, fazendo com que deixem de sentir essa formação como um tempo morto ou de ATL, e que terminado este, sejam devolvidos, outra vez, ao lar que não existe, mas com mais formação e desperdício de recursos, porque foram gastos sem perspectiva de utilização, aproveitamento.
Viver com esse grupo de pessoas, sentir as suas necessidades, adivinhar os seus sonhos, dar-lhes o nosso tempo. Todo o necessário, sem regatear, e devolver-lhes a confiança que lhes permita traçar objectivos, construir um projecto de vida, orientá-los nesse sentido e cobrar também a falta de empenho para os conseguir, se for caso disso.
Porque não, para além da devolução da dignidade e de tudo o que isso representa até para o exercício da nossa própria dignidade, tentarmos acabar com a pobreza geral, com o suicídio social?Com vontade, com voluntarismo, e principalmente com vontade política e com a articulação de todas as infra-estruturas existentes, e de algumas que fossem necessárias criar (e que para a recuperação de um ser humano nunca se poderá considerar caro).Não esquecendo a pobreza extrema, resultante da falta de pão, saúde, habitação e que necessita de uma resposta célere, porque MATA. Podemos “atacar” também a OUTRA pobreza que inequivocamente levará a esta. (em relação a respostas rápidas, agradou-me imenso ouvir, por parte do Dr. José Amaro, que vão tentar eliminar a burocracia e acelerar a entrega de alimentos a quem deles necessita de imediato.) Considero uma decisão acertada e justa, e que contribuirá também para o contentamento dos voluntários que acreditam estar a ajudar na eliminação de um problema tão doloroso. Efectivamente, perante a dúvida de estarmos a ser “enganados” ao sermos solicitados para uma intervenção rápida de entrega de alimentos, considero preferível entregar um pão do que esperar um mês pelo processo que é necessário decorrer para fazer essa entrega. Há que ter sensibilidade para detectar situações limite. Até pode acontecer que passado um mês de burocracia, o pão já esteja duro e a boca que o pediu já não se abra nem para o agradecer. E se não MATA no imediato, aniquila, entretanto.Num estado de direito e de direitos (inclusive os humanos) é nossa obrigação, população e poder local, exigir uma política séria e cumpridora de inclusão social ao poder central, porque importantes, importantes são as PESSOAS. O TGV e a OTA também, mas há que definir prioridades. É nossa obrigação lutar por, implementar e defender, sem olhar a meios, a justiça social. E aí, quase, ou todos os sonhos podem ser realidade: pão; saúde; habitação; mudança; decisão; educação. LIBERDADE.
“A ninguém faltava o pão
Se este dever se cumprisse:
Ganharmos em relação
Com o que se produzisse”
(António Aleixo)
Temos o direito/dever de “fiscalizar” o que é feito através do Poder Local, das pessoas que o representam porque se disponibilizaram para resolver TODOS os tipos de problemas que já existiam, e que de antemão sabem ou deveriam saber que surgiriam ou poderiam surgir em sociedade, quando se candidatam a esses cargos, para os quais nós os elegemos porque os conhecemos e acreditamos na sua capacidade, no que se refere ao Poder Local, e exigir que exerçam todo o poder reivindicativo junto do Governo, que não nos é tão próximo. Acredito que na vida e no mundo o mais importante são as pessoas e que todos, sem excepção, temos uma infindável “lista” de deveres e direitos. Que partamos, todos, em igualdade de circunstâncias para esta aventura que é a vida, e que à medida que por circunstâncias várias e alheias à nossa vontade, percamos capacidades, tenhamos sempre outro igual que nos ampare, uma instituição que nos apoie, um modo de viver até ao fim, com dignidade, alegria, amor. Será isto que está dentro do pote, que se encontra em algum lugar do arco-íris? Vou continuar à procura para confirmar.Desde que tenho filhos, e já lá vão uns anos bons, quando vejo a solidão, a tristeza, a miséria, o abandono e a fome não deixo nunca de pensar que todos fomos, nem que só por um momento, “o menino de sua mãe” e que todos os sonhos sonhados para o menino de sua mãe ali não estão, e que todos temos que criar condições para que pelo menos os sonhos/direitos sejam uma realidade defendida e garantida por nós.
E aí, o dia 17 de Outubro será a recordação de um dia longínquo em que se diagnosticavam situações de pobreza extrema e se preparavam estratégias para a minorar até se conseguir extinguir. E então celebraremos o 17 de Outubro como o dia da vitória sobre um flagelo que a VONTADE de SER DIGNO E PROMOVER A DIGNIDADE derrotou. (mas comemoraremos de olhos bem abertos para não deixarmos que o ciclo se volte a instalar e os filhos dos pobres sejam sempre pobres assim como o dos ricos sejam sempre ricos)
Isto bem repartidinho
Dá p’ra todos e sobeja”
(António Aleixo)
Todas estas quadras de António Aleixo, que ilustram esta reflexão (que não é síntese), não é fixação pelo poeta e poderão não ser as que melhor definem o tema na altura em que são introduzidas, mas nunca estarão deslocadas, porque falam de miséria e fome com as quais o poeta teve sempre uma relação muito íntima.)
(Élia Parente)
Síntese sobre o Banco Alimentar
No passado dia 17 de Outubro de 2007, o Sr. José Amaro, assessor do Presidente da Câmara Municipal de Faro, prestou aos alunos do 2º ano do curso de Educação social, uma sessão de esclarecimento sobre o Banco Alimentar e diversas problemáticas existentes no concelho de Faro. Esse esclarecimento veio a propósito de nesse dia se celebrar o Dia Mundial contra a Pobreza e a Exclusão Social. O Banco Alimentar é uma marca, que tem nome, tem prestígio e como tal, há uma grande adesão por parte da população. Tem-se verificado com o sucesso das últimas campanhas. Segundo o Sr. José Amaro, a criação do Banco Alimentar deveu-se essencialmente às carências da população. Sendo uma população muito envelhecida, com sensivelmente 13.618 reformados e pensionistas. Sabendo nós que a nível nacional as reformas dos idosos mal dão para os medicamentos, e que muitos dos nossos idosos vivem momentos de grande aflição, de miséria escondida pela vergonha de nada ter para comer, sentem-se personna non grata por parte do nosso governo, poderia o caso de Faro ser diferente!!! Não claro que não!! Aqueles que tanto contribuíram para o desenvolvimento do país vêem-se agora excluídos de uma sociedade capitalista que não tem lugar, para aqueles que tudo merecem. Como referiu o Sr. José um dos grandes problemas no concelho de Faro é o facto da população se encontrar muito dispersa (freguesias rurais) o que gera o isolamento dos idosos. Foi criado há sensivelmente 2 anos um projecto de âmbito municipal, Oficina Domiciliária que consiste em prestar auxilio aos idosos na resolução de problemas domésticos que possam surgir, decerto virá colmatar algumas carências e ajudará na resolução de alguns problemas técnicos. No entanto, será este o projecto que mais precisam os nossos idosos??, o ser ouvido, o contar as suas histórias de vida, relembrar os seus tempos de mocidade, mantê-los activos, não será mais urgente?
Considero uma lacuna o facto do B.A. não prestar apoio imediato, ou seja, a população carenciada ter de aguardar um mês pela atribuição de alimentos, quando a sua necessidade é diária. E as instituições que tem à sua responsabilidade tratar destes casos como permitem que tal suceda e a população seja privada daquilo que é mais elementar para o ser humano, a alimentação! Resta-me concluir que esta problemática social é um círculo vicioso, a pobreza leva aos sem-abrigo, à toxicodependência, que leva à insegurança que leva à exclusão social. E nós futuros Educadores Sociais cabe-nos deixar os sonhos de lado, e delinear estratégias para modificar ou atenuar tanta desigualdade na nossa sociedade.
(Lénia Gonçalves)
2007-11-16
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