2006-06-01

Mais uma comunicação...O perfil do educador de adultos


A Educação de Adultos é uma prática tão antiga como a história da raça humana (Oliveira, s/d, ¶ 1). Segundo a Declaração de Hamburgo de 1997 (citada em Ministério da Educação, 1998), a Educação de Adultos é mesmo vista como mais que um direito e apontada como sendo a chave para o Século XXI, tendo sido consequência de uma cidadania activa, é vista como condição para a plena participação na sociedade, pelo facto de poder moldar identidades e dar sentido à vida. Assim sendo, a Educação de Adultos caracteriza-se por uma grande heterogeneidade de funções, variedade de actividades e experiências, e depende de uma extensa diversidade de instituições (Figueiras & Marzo, 1990). Mas, a Educação de Adultos não se faz sem o Educador de Adultos. Posto isto, é pertinente perguntar quem é o Educador de adultos e qual o perfil que este deve ter, uma vez que vai ser ele o dinamizador da Educação de Adultos no terreno. As definições para Educador de Adultos são várias. De todas as que li, a que mais se destacou pela sua simplicidade, foi a de Julius Nyerere (citado em Carabantes, s/d) que diz que o Educador de Adultos é como “un «líder», como un guía en el sendero que todos recorrerán juntos” (p. 35). Verifica-se então, que o Educador de Adultos é denominado de várias formas, aqui presente «líder» e «guia», mas noutros autores, como Figueiras e Marzo (1990), encontram-se outras denominações tal como professor, maestro, formador, conselheiro, orientador, animador e monitor, dando a entender que a lista se pode prolongar. No entanto, os mesmos autores referem ainda que o termo professor, muitas vezes é questionado, por não ser adequado à dinâmica de determinados grupos de educação de adultos, e salientam que as várias conotações que cada uma das denominações consigo traz, só devem ser aceites se se entender que estas não implicam relações verticais de domínio, a imposição ao aluno de experiências anteriormente defendidas, a aceitação de metodologias tradicionais desfasadas ou a relação que produza um processo educativo dirigista e alienante. Também Paulo Freire (1999, p. 29) defende que nós, enquanto educadores, “não podemos nos colocar na posição do ser superior que ensina um grupo de ignorantes, mas sim na posição humilde daquele que comunica um saber relativo a outros que possuem outro saber relativo”. O mesmo autor (2003) defende ainda que na educação não deve haver mais educador do educando, nem mais educando do educador, mas que o educador deve ser educador-educando e que o educando deve ser educando-educador, sendo ambos sujeitos do processo educativo e agindo segundo uma prática educativa a que Freire chama «problematizadora». Pois, segundo o mesmo autor, se o educador seguir esta prática, “o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser depositado nos educandos –, mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada” (Freire, 2003, p. 83, 84). Por último, será de deixar algumas ideias de Norbeck (1981), uma vez que ele lembra que a posição do professor numa turma de adultos é diferente, uma vez que ele, muitas vezes é mais novo do que alguns dos participantes e até pode acontecer que tenha menos experiência de vida, não podendo dar-lhes ordens, repreendê-los ou evitar que eles desistam do processo.
Mas, o meu propósito era falar também do perfil do Educador de Adultos. Embora de forma indirecta, ao definir o Educador de Adultos, já falei sobre algumas das suas características, mas não todas. Falarei então agora de mais algumas das características que muito ajudarão a uma boa prática educativa. Vários são os autores que falam sobre o perfil do Educador de Adultos e as suas competências, de entre eles salientam-se Batista, Carabantes, Baptista, Nogueira, Moura e Torrado. De seguida, abordarei cada um deles individualmente.
Batista (s/d), afirma que o Educador de Adultos deve ser capaz de operar com os conhecimentos trazidos da sua própria história de vida. Salienta ainda, que ensinar pressupõe aprender e por isso o educador deve “estar exposto ao conhecimento, operar com esse conhecimento, sistematizá-lo para depois ser capaz de transpô-lo” (Batista, s/d, ¶ 47). Lembra também que para isso poder acontecer, o educador necessita de alguns saberes, dos quais destaca: “quem sou eu educador, quais os meus conhecimentos, quem é o aprendiz, como é que ele aprende, o que ele já sabe, o que falta saber e qual o procedimento mais adequado para atender a especificidade de aprendizagem daquele aprendiz” (¶ 47).
Carabantes (s/d), afirma que alguns princípios referentes ao Educador de Adultos podem ajudar a definir o seu perfil. Salienta assim os seguintes princípios:
- humildade: o educador deve reconhecer a sua ignorância acerca de si mesmo e dos outros;
- modéstia: o educador deve ser modesto, ou seja, ter consciência da sua igualdade humana frente aos outros, deve ver-se nos outros;
- conceito amplo e pluralista da verdade e do saber como património dos homens: o educador deve ter a noção de que todos têm o direito a alcançar esses valores e a desfrutar deles;
- compreensão que a transformação da realidade é tarefa participativa de todos os homens, sem excepção: o educador não deve atribuir a transformação da realidade a núcleos elitistas, mas deve promover e aceitar o contributo de todos os demais para esta tarefa comum;
- superação pessoal e alheia: o educador deve fazer destas duas a sua norma de vida;
- fé crítica nos homens e na humanidade: o educador deve não só tê-la, mas também promovê-la.
O mesmo autor, citando Julius Nyerere, diz que os educadores para serem eficientes no seu trabalho têm que se identificar conscientemente com aqueles que participam.
Já Baptista (s/d), vê o Educador de Adultos como um «adulto de referência», uma vez que este ao evocar a atenção para um testemunho vivo, estabelece uma relação de frente a frente que permite ao educando descobrir-se como um ser único e especial. Defende assim a autora, que o educador deverá ser um agente de proximidade e de contágio atento aos sinais de alteração dos seus educandos e um gestor hábil do equilíbrio necessário, mas difícil, entre o desejo de influência, inerente ao acto pedagógico, e o risco de manipulação. E na continuação do seu pensamento, afirma que o educador deverá ser particularmente vigilante em relação às aprendizagens a que chama «colaterais», por derivarem de um currículo oculto, que deverá ser capaz de decidir em situações problemáticas, que deverá ser tolerante, paciente e optimista, por último, que deverá acreditar para que os outros, os educandos, também acreditem.
Nogueira (1996), por seu lado, citando Tyler, diz que o Educador de Adultos deverá ter a necessária preparação para a elaboração autónoma de módulos curriculares baseada na avaliação das necessidades. Para isso, afirma que o educador deve ter como eixos fundamentais do seu trabalho a negociação e o consenso, e trabalhar em equipa pedagógica, ganhando com a intercomunicabilidade e a interdisciplinaridade. Baseando-se em autores como Chamberlain (1962), Aber (1963) e Robinson (1962), enumerou o autor os componentes do perfil ideal de um Educador de Adultos dizendo que este:
- é um programador: pois interpreta e adapta o currículo construindo um projecto formativo no local de formação;
- é um investigador: pois associa permanentemente o pensamento e a acção;
- é um arquitecto: pois reconstrói os eixos do desenho curricular;
- é um inovador: pois reinterpreta à luz das necessidades e condições mais concretas de cada situação social, cultural e geográfica;
- é um avaliador: pois reanalisa a sua própria acção e a de todos os actores intervenientes no processo de formação.
Moura (1978) apresentando o pensamento de Paulo Freire dá ênfase ao facto de o educador não trabalhar para os alunos, mas com os alunos, praticando e aprendendo a partilha. O educador torna-se assim um homem que busca com os alunos, numa relação horizontal dialógia e de reconhecimento. E isto, não é uma simples técnica cuidadosamente aprendida, diz o autor, mas uma atitude “que emana do próprio ser do educador que fez uma opção humanista, dum modo de ser que se traduz e exprime num tipo de comportamento adequado” (p. 61). Acrescenta ainda o autor, que o educador se apresenta ao aluno não como alguém que sabe tudo, mas sim como um companheiro de busca e de destino do educando, numa procura pessoal e comum da verdade, da liberdade e da melhoria das condições de vida. Tomando o educador esta atitude, ele sabe que o sua tarefa não é ensinar ignorantes, mas suscitar a discussão e a iniciativa criadora, ajudar à análise crítica dos diferentes aspectos da vida quotidiana, suscitar a participação de todos os membros do grupo, ou seja, coordenar os trabalhos, as pesquisas, os debates, as reflexões e o diálogo do grupo com quem trabalha.
Torrado (s/d), por sua vez, diz que o Educador de Adultos deve possuir certas características que o capacitem para atender às necessidades da sua clientela e conseguir eficiência no processo educativo. Para essa mesma eficiência, diz a autora que existem diferentes funções que se associam às tarefas a realizar pelo educador, enumerando as seguintes funções: facilitador, pessoa recurso, perito, planificador, instrutor, co-aprendiz e mentor. Estas funções podem exercer-se simultaneamente ou independentemente, mas em todas elas o educador deve ser único, especial, com competências conceptuais, técnicas e afectivas que o capacitem para desenvolver o seu trabalho no dia a dia. A mesma autora, citando Barrer e Draper, diz que os educadores devem possuir uma filosofia educativa e desenvolvê-la de forma holística para facilitar o processo educativo, dando ênfase à combinação das emoções, dos sentimentos, do conhecimento, das competências, do estado mental e físico do educador para poder levar a cabo a planificação instrumental e o processo de ensino-aprendizagem. Por último, aproveitando um levantamento que a autora fez dos vários autores que têm desenvolvido estudos para identificar as competências pessoais e profissionais que devem possuir os Educadores de Adultos, aqui se dá dois exemplos de autores:
1. Veri: atributos pessoais; conhecimento do trabalho em sociedade e dos assuntos sociais; conhecimento dos princípios básicos da educação de adultos; conhecimento de psicologia do adulto; habilidade para planificar e implantar os programas de educação de adultos;
2. Aker: entender a natureza e a missão básica do programa de educação de adultos; estar consciente das características, problemas, interesses e necessidades dos aprendizes; aplicar os princípios das ciências do comportamento; desenvolver competências de desenho curricular; seleccionar materiais apropriados e aplicar a metodologia recomendada para o processo de ensino-aprendizagem do adulto; ser um aprendiz contínuo.
Em jeito de conclusão e pegando nas várias opiniões dos autores abordados, uma vez que acho que não se pode dizer que um tenha mais razão do que outro, mas que todos se completam, gostaria de salientar que o perfil do Educador de Adultos deve ter sempre por base os objectivos da educação de adultos, pois se assim não for, não faz qualquer sentido chamá-lo de agente de Educação de Adultos. E o verdadeiro Educador de Adultos deve acima de tudo ser um humanista nato, sendo capaz de se colocar no lugar do outro, o educando, dando valor aos seus conhecimentos experiênciais e estando disponível para aprender com ele; estando atento às suas necessidades reais e potencialidades escondidas. Ou seja, o Educador de Adultos deve primeiro que tudo ser um Ser Humano, tal como Savater o via, fruto do esforço pessoal e da relação com os demais seres humanos; depois deve fazer os possíveis para que a sua acção seja profissional, não se pondo em xeque perante os educandos, mas também lhes dando todas as ferramentas que existem ao seu dispor para desenvolver mais e melhores competências, trabalhando com eles e não para eles, percorrendo um mesmo caminho em conjunto, onde ambos são sujeitos em constante aprendizagem. Por último, penso que se estas «poucas» qualidades fizessem parte da formação pessoal e profissional dos Educadores de Adultos, todas as outras competências e atributos que foram abordadas pelos autores anteriormente referidos, acabariam por se desenvolver ou adquirir no trabalho diário com os educandos, porque só na prática e tendo por base as teorias defendidas por estes autores, é possível cada Educador construir o seu perfil ideal, atendendo às características dos seus educandos.

Referências bibliográficas:

Baptista, I. (s/d). O Educador como Adulto de Referência. [Versão electrónica]. Jornal “a Página”, 107, 21.
Batista, M. A. (s/d). O Educador de Jovens e Adultos como Agente do Desenvolvimento Humano. Acedido a Março 8, 2006, de Centro de Referência em Educação de Jovens e Adultos
Website:http://www.cereja.org.br/arquivos_upload/maria%20angelica%20batista_rc5_2005.pdf
Carabantes, W. C. (s/d). Formación de Educadores de Adultos. Acedido a Março 8, 2006,de Centro de Cooperación Regional para la Educación de Adultos en América Latina y el Caribe Web site:http://www.crefal.edu.mx/biblioteca_digital/ CEDEAL/acervo_digital/coleccion_crefal/rieda/a1995_1/waldemar.pdf
Figueiras, J. M.; Marzo, A. (1990). Educación de Adultos – Situación Actual y Perspectivas. Barcelona: Editorial Horsori
Freire, P. (1999). Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra
Freire, P. (2003). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra
Ministério da educação. (1998). Uma Aposta Educativa na Participação de todos: Documento de Estratégias para o Desenvolvimento da Educação de Adultos. Lisboa: Ministério da Educação.
Moura, M. (1978). O Pensamento de Paulo Freire – Uma Revolução na Educação. Lisboa: Multinova.
Nogueira, A. I. C. (1996). Para uma Educação Permanente à Roda da Vida. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional.
Norbeck, J. (1981). Formas e Métodos de Educação de Adultos. Braga: Universidade do Minho.
Oliveira, A. B. (s/d). Andragogia – A Educação de Adultos. Acedido a Março 8, 2006, in http://www.tecnopraticas.com/Library/tecno/andragogia%20-%20oliveira.pdf
Savater, F. (1997). O Valor de Educar. Lisboa: Editorial Presença.
Torrado, N. E. (s/d). La educación de adultos. Acedido a Março 8, 2006, de Universidade de Puerto Rico, Centro de Investigações Educativas.
Web site: http://cie.uprrp.edu/cuaderno18/c18_art8.htm

Autora: Luciana Furtado

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