“A MINHA EXPERIÊNCIA COM EDUCAÇÃO DE ADULTOS”
Maria Margarida Paulino
Nesta comunicação escrita vou falar sobre a minha experiência pessoal e profissional no contexto escolar e fora dele. Reflectindo sobre as temáticas abordadas nesta disciplina, a Educação de Adultos em Portugal tem sofrido avanços e retrocessos constantes ao longo dos anos, criando instabilidade nos diferentes instrumentos e dispositivos criados para o efeito. Temos, no entanto consciência, que muito há ainda por fazer e aperfeiçoar tendo, neste campo, o Educador Comunitário um mundo interminável de trabalho, à sua frente.
No que se refere à minha experiência, que acho pertinente, no contexto deste tema, lembro-me que era ainda muito jovem ter decidido, por mim própria, sair da escola. Tinha, na altura, cerca de 15 anos e tinha na bagagem duas reprovações consecutivas no 8º ano. O abandono escolar conduziu-me assim à escolaridade mínima na altura (2º Ciclo Preparatório. O abandono do meu percurso escolar deu-se por vários motivos: o querer trabalhar para ganhar mais autonomia financeira, social, familiar…, a desmotivação pessoal criada pelas características do próprio sistema de ensino e as injustiças de alguns professores. O facto de ter de me levantar cedo todos os dias, sabendo que ia para a escola, era um sacrifício tremendo. Isto começou a acontecer precisamente quando transitei para o ensino secundário, porque até lá lembro-me que gostava da escola, e que até tinha um bom desempenho em termos de aproveitamento escolar. Iniciei-me então no mercado de trabalho, nunca me tendo arrependido do facto de ter deixado a escola, pois tinha a certeza que aquela forma de ensino não me interessava. Só o facto de passar à porta da escola dava-me alguma aversão!Em contexto de trabalho também rapidamente percebi que para fazer algo mais qualificado, o currículo escolar tinha algum peso. Passei por alguns trabalhos, uns mais interessantes que outros e até fiz um curso de contabilidade em horário pós laboral, numa escola privada, percebendo de imediato que trabalhar com números não era propriamente a minha vocação. Estando sempre predisposta a novas experiências em 1992, fui a uma entrevista para Animadora Local na Associação In Loco. Posso assim dizer que a partir deste ano a minha vida mudou significativamente. Não percebi de imediato quais seriam as minhas funções, pois tudo era muito novo, mas a vontade de aprender era bastante e tinha por perto, pela primeira vez, pessoas que valorizavam os meus conhecimentos, coisa que até ao momento não tinha acontecido. O “trabalho de terreno” era feito em simultâneo com formação em sala, dois dias por mês, onde os formandos participavam na definição dos temas a abordar na formação e nas áreas que mais dificuldades tinham. A formação, funcionava num sistema de alternância, sendo sempre preparada para dar respostas às necessidades sentidas no terreno. Aqui percebi que eu até gostava de estudar, pois estava a conhecer uma nova forma de ensino, que dava resposta às minhas dificuldades, podendo de seguida aplicar as teorias na prática, tal como Paulo Freire defendia ” o discurso teórico terá de ser aliado à aplicação prática”. A partir desta altura comecei a acreditar mais nas minhas capacidades, a valorizar-me mais como pessoa e veio também a vontade de estudar e aumentar o meu currículo escolar. Desde então fiz uma aposta séria na minha formação pessoal. Frequentei, no Ensino Recorrente, caracterizado pela flexibilidade e adaptabilidade dos ritmos de aprendizagem à disponibilidade, aos conhecimentos e as experiências dos alunos, o 3º Ciclo e o Ensino Secundário. Posso dizer que foi, sem dúvida, uma experiência muito enriquecedora, mesmo prevalecendo os métodos tradicionais de ensino, que Paulo Freire designava por “Concepção Bancária”. Na maioria das vezes os professores debitavam a matéria, fazendo dos alunos meros receptores de informação. Infelizmente nos métodos de ensino formal isto ainda se verifica. É certo também que alguns professores, não descorando do programa curricular da disciplina deixavam os alunos mais autónomos, no sentido de buscarem o seu próprio conhecimento. Havia aqui também alguma autonomia no sentido de cada um poder impor o seu próprio ritmo, o aluno tinha algum poder de decisão quanto à marcação dos seus próprios exames, desde que bem negociado e articulado com o professor. Enquanto me encontrei a estudar no Ensino Recorrente ainda eram estas as regras, penso que neste momento se voltou novamente ao sistema de aulas expositivas com ritmos impostos pela própria instituição de ensino. Como aluna, na altura, o que eu constatava era que devido à maioria das pessoas não estarem muito preparadas para serem autónomas, tomarem determinadas decisões e assumirem atitudes, o grau de desistências era bastante elevado, mas penso que isto se deve ao facto da nossa sociedade e do sistema de educação (em geral) não nos preparar para sermos cidadãos participativos e construirmos a nossa própria autonomia, é certo que por vezes, o facto de nos acomodarmos às situações é bem mais tranquilo mas também menos gratificante. Da minha parte eu concordo plenamente com as ideologias de Paulo Freire e acho que este tipo de educação que ele defende é bem mais eficiente e eficaz, principalmente quando se trata de adultos “…a educação libertadora problematizadora já não pode ser o acto de depositar, ou de narrar, ou de transferir “conhecimentos” e valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da educação “bancária”, mas um acto cognoscentes…” (Freire P.). Neste tipo de educação o homem não é visto como um ser vazio, depósito de informação, mas sim como alguém que através das suas experiências de vida adquiriu determinadas aprendizagens e competência que são levadas em conta na construção e evolução do seu conhecimento, levando assim a um maior empenho e vontade em prosseguir. Os comentários que faço são com conhecimento de causa, porque se passaram comigo. Além do ensino formal, tenho tido ao longo dos anos, muitas horas de formação, em contexto de trabalho, e por vezes de lazer, onde se aplica, na íntegra, este tipo de ensinamento. Sinto-me plenamente à vontade para falar dos resultados que obtive em mim mesma com tipos de ensinamento diferenciados. O processo de aprendizagem/conhecimento é inacabado, contínuo, todos os dias aprendemos muitas coisas, em vários contextos, com pessoas diferentes. O conhecimento, o saber é construído em conjunto, quer em situações de formação formal; o Conselho da Europa defini-a como a educação que se prossegue normalmente no sistema escolar, não formal; “embora obedeça também a uma estrutura e a uma organização (distintas, porém das escolares) e possa levar a uma certificação (mesmo que não seja essa a sua finalidade), diverge ainda da educação formal no que respeita à não fixação de tempos e locais, e à flexibilidade na adaptação dos conteúdos de aprendizagem a cada grupo concreto” e informal “…abrange todas as possibilidades educativas do percurso de vida de cada indivíduo, constituindo um processo permanente e não organizado” (Afonso A, 1994). Da minha experiência posso afirmar que, provavelmente, se eu não tivesse tido a oportunidade de trabalhar para uma entidade que valoriza muito as pessoas por aquilo que elas são e sabem na realidade, pelo que valem, e pelo que sonham e desejam, os meus horizontes poderiam não ser tão alargados e poderia não ter prosseguido os meus estudos até aqui. Para além da vontade de prosseguir estudos num contexto formal, veio o despertar para a aprendizagem, o participar em outro tipo de formações: Mediação de Conflitos, Formação Pedagógica Inicial de Formadores, Formação de Coordenadores de Formação, Desenvolvimento Pessoal…, despertar para a participação de Colóquios, Seminários…sempre na intuição de construir saberes no sentido de participar na sociedade de uma forma mais activa e também poder incentivar e despertar nos outros a vontade de também se enriquecerem em termos de conhecimento e valorização pessoal. Felizmente que as coisas vão mudando, hoje em Portugal, podemos dizer que muito se faz em relação à Educação de Adultos, não quer dizer que se faça da melhor forma ou com os melhores resultados, mas sabemos que as reformas do ensino são definidas a nível central, e por vezes, não são assim tão lineares, às vezes damos dois passos em frente e três passos para trás. A mudança acarreta sempre algumas resistências. “Seria ingenuidade acreditar que uma reforma e/ou uma estratégia de mudança são realizáveis à margem de conflitos e resistências. O problema fundamental não reside pois em ser capaz de evitar os conflitos, que mesmo a mera manutenção do statu quo não consegue alcançar, mas sim em possuir as capacidades e os meios para os gerir democraticamente, alcançando sempre que possível consensos alargados. (C Lima, 1994, pág. 68). Para os Educadores é mais fácil seguir um modelo já pré estabelecido, chegar e debitar a matéria aos educandos, um dia atrás do outro, com pouco trabalho de preparação, do que pensar, arranjar técnicas e meios de ensinamento mais participativos, pensar no tipo de público (grupo, turma…) e adequar essas técnicas aos interesses específicos das pessoas em presença. Além de ter vindo a desempenhar ao longo destes anos o papel de educanda, aluna, formanda, enfim como lhe queiramos chamar, tenho também, em simultâneo, algumas experiências que não posso deixar de considerar trabalho em Educação de Adultos. Como diz (Maria de Luz Caldas, em art. Jornal Página da Educação) “hoje, quando se fala em Educação de Adultos, necessariamente, terá que se ultrapassar o conceito de Educação Recorrente ou Escolaridade de Segunda Oportunidade. Face às mudanças verificadas e às solicitações actuais, a Educação de Adultos deverá assumir-se, cada vez mais, como uma educação permanente – uma educação ao longo da vida …”
O facto de trabalhar e ter formação em Animação para o Desenvolvimento Local, considero que a sociologia da educação não escolar deu um forte contributo na minha formação. Citando (A. Nóvoa, 1988) “é impossível imaginarmos alguém que orienta actividades de formação sem nunca se ter interrogado seriamente sobre o que significa formar sobre os processos através dos quais os alunos se formam”, não posso dissociar a vertente de educação de adultos. Para ter bons resultados junto das comunidades com quem trabalhamos, temos de ir ao encontro das necessidades / dificuldades e levá-las a pensar, participar e realizar projectos, tarefas e actividades que vão dar respostas às suas necessidades. Como diz Alberto Melo “só será possível falar de um processo de desenvolvimento se a dinâmica assim gerada tiver criado, ou reforçado, vários projectos locais, relativamente independentes uns dos outros, mas todos eles associados ao mesmo processo de animação social e cultural. Só este tipo de movimento – ao multiplicar contactos criativos, ao fazer circular a informação mais rapidamente, ao organizar debates e aprofundar conhecimentos, ao encorajar iniciativas e revelar a necessidade de se criarem estruturas e de se adquirirem novos saberes – pode transformar gradualmente um processo de desenvolvimento local num projecto colectivamente assumido e auto-sustentado” (Alberto Melo, pág. 140). O trabalho que realizo em Animação Local, é bastante vasto e abrange os mais diversos públicos e agentes com características diferenciadas. A nível individual são as pessoas os principais beneficiários: desde os mais idosos, com fraca alfabetização, mas que reúnem uma vida de conhecimento e experiência, que na maioria dos casos não é valorizada pelos próprios, nem reconhecida pela sociedade, e que esses saberes nenhum curso superior pode proporcionar; aos mais jovens que se encontram num processo de desenvolvimento do seu saber e conhecimento mas que muitas vezes não se encontram motivados para dar continuidade à sua formação formal. Isto, por vezes, não só pelo seu desinteresse mas por todo um sistema que nem sempre dá as respostas adequadas e desejadas. Por outro lado também é importante o trabalho a nível colectivo, quer a nível de entidades como de grupos colectivos de pessoas, formais ou informais. É importante fazer essa ponte do individual ao colectivo, papal fundamental para o Educador Comunitário. Por vezes é necessário e importante dar a conhecer às Entidades de âmbito Regional e Nacional os problemas que afectam os locais, quanto maior for a relação de proximidade com as comunidades, mais capacitados estamos para poder desenvolver e propor projectos e iniciativas de intervenção local, ajustados às realidades e que possam dar respostas aos problemas detectados. Actualmente a Associação da qual sou colaboradora contratada está cada vez mais virada e vocacionada para a área da Formação, estando também o meu trabalho relacionado com esta temática. Somos uma entidade que acolhe um Centro de RVCC (Centro de Reconhecimento Validação e Certificação de Competências) e faço para este centro algum encaminhamento de adultos e jovens. Isso passa pela divulgação, mobilização de pessoas, levando-as à tomada de consciência das suas próprias capacidades, inscrições e até acompanhamento de alguns processos de certificação. Esta é uma oportunidade que está ao alcance de qualquer pessoa, ver certificadas oficialmente as suas competências e saberes. Contribui para uma maior satisfação pessoal, maior auto confiança e auto estima e até para realizar projectos que ainda não tinha tido coragem. É muito gratificante acompanhar os indivíduos que concluem este processo.Ultimamente tenho dinamizado Acções de Balanço de Competências com alunos das escolas profissionais. Estas sessões são trabalhadas com técnicas de animação que levam os alunos a reflectir sobre competências essenciais (ex. Comunicação, Planeamento, Organização, Responsabilidade, Determinação…) para a sua integração no mercado de trabalho e também para a sua participação em sociedade como cidadãos conscientes, activos, participativos na vida produtiva, cultural e política de uma sociedade, tendo em vista a construção de um mundo cada vez mais democrático e solidário. Verifica-se uma maior motivação / participação quando se proporciona uma forma diferente e animada mas nunca desfocando dos objectivos. A participação dos alunos é muito maior e existe uma maior adesão, leva-os pois, citando as suas palavras “a pensar sobre assuntos sérios mas num tom de brincadeira”. Por todas estas experiências que tenho vivenciado / experiênciado, quer no meu percurso escolar formal, quer em termos profissionais, quer em muitas outras actividades que desenvolvo em regime de voluntariado, em Associações Locais ligadas ao trabalho desenvolvido com jovens, idosos e comunidade em geral, tudo isto em prol do desenvolvimento comunitário, quero reforçar o papel que o Educador Comunitário pode ter na sociedade no sentido de fazer com que esta seja mais participativa, crítica e formada. O Educador Comunitário pode e deve estar capacitado para trabalhar com e para a comunidade, no sentido de esta ser mais autónoma, valorizada e reconhecida e capaz de lutar de cabeça erguida pela satisfação das suas necessidades e direitos. Para terminar deixo uma citação que representa para mim, tudo o que será de desejar junto das comunidades e que está ao alcance do Educador Comunitário lutar para conseguir e obter algumas mudanças através da chamada Educação Popular.
“Entendo a mobilização popular como espaço de mobilização, organização e capacitação das classes populares; capacitação científica e técnica (…) o conhecimento do mundo é também feito através das práticas do mundo; e é através dessas práticas que inventamos uma educação familiar às classes populares (...) não há um programa, inexiste nessa pedagogia um programa preestabelecido de conteúdos a serem ensinados. No entanto, essas pessoas se ensinam umas às outras, elas se medem em actos grupais de conhecimento (…) há um momento em que se pode descobrir que as necessidades pelas quais se luta podem ser satisfeitas, podem ser resolvidas; essa descoberta dá conta de que há caminhos possíveis e que as necessidades – as que fazem lutar – não são tão exageradas, e podem ser resolvidas (…) educação popular e mudança social andam juntas. Essa educação renovada transforma não apenas os métodos de educar. Transforma as pessoas que são educadas em uma sociedade em transformação”. (Freire e Nogueira, 1989).
Nesta comunicação escrita vou falar sobre a minha experiência pessoal e profissional no contexto escolar e fora dele. Reflectindo sobre as temáticas abordadas nesta disciplina, a Educação de Adultos em Portugal tem sofrido avanços e retrocessos constantes ao longo dos anos, criando instabilidade nos diferentes instrumentos e dispositivos criados para o efeito. Temos, no entanto consciência, que muito há ainda por fazer e aperfeiçoar tendo, neste campo, o Educador Comunitário um mundo interminável de trabalho, à sua frente.
No que se refere à minha experiência, que acho pertinente, no contexto deste tema, lembro-me que era ainda muito jovem ter decidido, por mim própria, sair da escola. Tinha, na altura, cerca de 15 anos e tinha na bagagem duas reprovações consecutivas no 8º ano. O abandono escolar conduziu-me assim à escolaridade mínima na altura (2º Ciclo Preparatório. O abandono do meu percurso escolar deu-se por vários motivos: o querer trabalhar para ganhar mais autonomia financeira, social, familiar…, a desmotivação pessoal criada pelas características do próprio sistema de ensino e as injustiças de alguns professores. O facto de ter de me levantar cedo todos os dias, sabendo que ia para a escola, era um sacrifício tremendo. Isto começou a acontecer precisamente quando transitei para o ensino secundário, porque até lá lembro-me que gostava da escola, e que até tinha um bom desempenho em termos de aproveitamento escolar. Iniciei-me então no mercado de trabalho, nunca me tendo arrependido do facto de ter deixado a escola, pois tinha a certeza que aquela forma de ensino não me interessava. Só o facto de passar à porta da escola dava-me alguma aversão!Em contexto de trabalho também rapidamente percebi que para fazer algo mais qualificado, o currículo escolar tinha algum peso. Passei por alguns trabalhos, uns mais interessantes que outros e até fiz um curso de contabilidade em horário pós laboral, numa escola privada, percebendo de imediato que trabalhar com números não era propriamente a minha vocação. Estando sempre predisposta a novas experiências em 1992, fui a uma entrevista para Animadora Local na Associação In Loco. Posso assim dizer que a partir deste ano a minha vida mudou significativamente. Não percebi de imediato quais seriam as minhas funções, pois tudo era muito novo, mas a vontade de aprender era bastante e tinha por perto, pela primeira vez, pessoas que valorizavam os meus conhecimentos, coisa que até ao momento não tinha acontecido. O “trabalho de terreno” era feito em simultâneo com formação em sala, dois dias por mês, onde os formandos participavam na definição dos temas a abordar na formação e nas áreas que mais dificuldades tinham. A formação, funcionava num sistema de alternância, sendo sempre preparada para dar respostas às necessidades sentidas no terreno. Aqui percebi que eu até gostava de estudar, pois estava a conhecer uma nova forma de ensino, que dava resposta às minhas dificuldades, podendo de seguida aplicar as teorias na prática, tal como Paulo Freire defendia ” o discurso teórico terá de ser aliado à aplicação prática”. A partir desta altura comecei a acreditar mais nas minhas capacidades, a valorizar-me mais como pessoa e veio também a vontade de estudar e aumentar o meu currículo escolar. Desde então fiz uma aposta séria na minha formação pessoal. Frequentei, no Ensino Recorrente, caracterizado pela flexibilidade e adaptabilidade dos ritmos de aprendizagem à disponibilidade, aos conhecimentos e as experiências dos alunos, o 3º Ciclo e o Ensino Secundário. Posso dizer que foi, sem dúvida, uma experiência muito enriquecedora, mesmo prevalecendo os métodos tradicionais de ensino, que Paulo Freire designava por “Concepção Bancária”. Na maioria das vezes os professores debitavam a matéria, fazendo dos alunos meros receptores de informação. Infelizmente nos métodos de ensino formal isto ainda se verifica. É certo também que alguns professores, não descorando do programa curricular da disciplina deixavam os alunos mais autónomos, no sentido de buscarem o seu próprio conhecimento. Havia aqui também alguma autonomia no sentido de cada um poder impor o seu próprio ritmo, o aluno tinha algum poder de decisão quanto à marcação dos seus próprios exames, desde que bem negociado e articulado com o professor. Enquanto me encontrei a estudar no Ensino Recorrente ainda eram estas as regras, penso que neste momento se voltou novamente ao sistema de aulas expositivas com ritmos impostos pela própria instituição de ensino. Como aluna, na altura, o que eu constatava era que devido à maioria das pessoas não estarem muito preparadas para serem autónomas, tomarem determinadas decisões e assumirem atitudes, o grau de desistências era bastante elevado, mas penso que isto se deve ao facto da nossa sociedade e do sistema de educação (em geral) não nos preparar para sermos cidadãos participativos e construirmos a nossa própria autonomia, é certo que por vezes, o facto de nos acomodarmos às situações é bem mais tranquilo mas também menos gratificante. Da minha parte eu concordo plenamente com as ideologias de Paulo Freire e acho que este tipo de educação que ele defende é bem mais eficiente e eficaz, principalmente quando se trata de adultos “…a educação libertadora problematizadora já não pode ser o acto de depositar, ou de narrar, ou de transferir “conhecimentos” e valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da educação “bancária”, mas um acto cognoscentes…” (Freire P.). Neste tipo de educação o homem não é visto como um ser vazio, depósito de informação, mas sim como alguém que através das suas experiências de vida adquiriu determinadas aprendizagens e competência que são levadas em conta na construção e evolução do seu conhecimento, levando assim a um maior empenho e vontade em prosseguir. Os comentários que faço são com conhecimento de causa, porque se passaram comigo. Além do ensino formal, tenho tido ao longo dos anos, muitas horas de formação, em contexto de trabalho, e por vezes de lazer, onde se aplica, na íntegra, este tipo de ensinamento. Sinto-me plenamente à vontade para falar dos resultados que obtive em mim mesma com tipos de ensinamento diferenciados. O processo de aprendizagem/conhecimento é inacabado, contínuo, todos os dias aprendemos muitas coisas, em vários contextos, com pessoas diferentes. O conhecimento, o saber é construído em conjunto, quer em situações de formação formal; o Conselho da Europa defini-a como a educação que se prossegue normalmente no sistema escolar, não formal; “embora obedeça também a uma estrutura e a uma organização (distintas, porém das escolares) e possa levar a uma certificação (mesmo que não seja essa a sua finalidade), diverge ainda da educação formal no que respeita à não fixação de tempos e locais, e à flexibilidade na adaptação dos conteúdos de aprendizagem a cada grupo concreto” e informal “…abrange todas as possibilidades educativas do percurso de vida de cada indivíduo, constituindo um processo permanente e não organizado” (Afonso A, 1994). Da minha experiência posso afirmar que, provavelmente, se eu não tivesse tido a oportunidade de trabalhar para uma entidade que valoriza muito as pessoas por aquilo que elas são e sabem na realidade, pelo que valem, e pelo que sonham e desejam, os meus horizontes poderiam não ser tão alargados e poderia não ter prosseguido os meus estudos até aqui. Para além da vontade de prosseguir estudos num contexto formal, veio o despertar para a aprendizagem, o participar em outro tipo de formações: Mediação de Conflitos, Formação Pedagógica Inicial de Formadores, Formação de Coordenadores de Formação, Desenvolvimento Pessoal…, despertar para a participação de Colóquios, Seminários…sempre na intuição de construir saberes no sentido de participar na sociedade de uma forma mais activa e também poder incentivar e despertar nos outros a vontade de também se enriquecerem em termos de conhecimento e valorização pessoal. Felizmente que as coisas vão mudando, hoje em Portugal, podemos dizer que muito se faz em relação à Educação de Adultos, não quer dizer que se faça da melhor forma ou com os melhores resultados, mas sabemos que as reformas do ensino são definidas a nível central, e por vezes, não são assim tão lineares, às vezes damos dois passos em frente e três passos para trás. A mudança acarreta sempre algumas resistências. “Seria ingenuidade acreditar que uma reforma e/ou uma estratégia de mudança são realizáveis à margem de conflitos e resistências. O problema fundamental não reside pois em ser capaz de evitar os conflitos, que mesmo a mera manutenção do statu quo não consegue alcançar, mas sim em possuir as capacidades e os meios para os gerir democraticamente, alcançando sempre que possível consensos alargados. (C Lima, 1994, pág. 68). Para os Educadores é mais fácil seguir um modelo já pré estabelecido, chegar e debitar a matéria aos educandos, um dia atrás do outro, com pouco trabalho de preparação, do que pensar, arranjar técnicas e meios de ensinamento mais participativos, pensar no tipo de público (grupo, turma…) e adequar essas técnicas aos interesses específicos das pessoas em presença. Além de ter vindo a desempenhar ao longo destes anos o papel de educanda, aluna, formanda, enfim como lhe queiramos chamar, tenho também, em simultâneo, algumas experiências que não posso deixar de considerar trabalho em Educação de Adultos. Como diz (Maria de Luz Caldas, em art. Jornal Página da Educação) “hoje, quando se fala em Educação de Adultos, necessariamente, terá que se ultrapassar o conceito de Educação Recorrente ou Escolaridade de Segunda Oportunidade. Face às mudanças verificadas e às solicitações actuais, a Educação de Adultos deverá assumir-se, cada vez mais, como uma educação permanente – uma educação ao longo da vida …”
O facto de trabalhar e ter formação em Animação para o Desenvolvimento Local, considero que a sociologia da educação não escolar deu um forte contributo na minha formação. Citando (A. Nóvoa, 1988) “é impossível imaginarmos alguém que orienta actividades de formação sem nunca se ter interrogado seriamente sobre o que significa formar sobre os processos através dos quais os alunos se formam”, não posso dissociar a vertente de educação de adultos. Para ter bons resultados junto das comunidades com quem trabalhamos, temos de ir ao encontro das necessidades / dificuldades e levá-las a pensar, participar e realizar projectos, tarefas e actividades que vão dar respostas às suas necessidades. Como diz Alberto Melo “só será possível falar de um processo de desenvolvimento se a dinâmica assim gerada tiver criado, ou reforçado, vários projectos locais, relativamente independentes uns dos outros, mas todos eles associados ao mesmo processo de animação social e cultural. Só este tipo de movimento – ao multiplicar contactos criativos, ao fazer circular a informação mais rapidamente, ao organizar debates e aprofundar conhecimentos, ao encorajar iniciativas e revelar a necessidade de se criarem estruturas e de se adquirirem novos saberes – pode transformar gradualmente um processo de desenvolvimento local num projecto colectivamente assumido e auto-sustentado” (Alberto Melo, pág. 140). O trabalho que realizo em Animação Local, é bastante vasto e abrange os mais diversos públicos e agentes com características diferenciadas. A nível individual são as pessoas os principais beneficiários: desde os mais idosos, com fraca alfabetização, mas que reúnem uma vida de conhecimento e experiência, que na maioria dos casos não é valorizada pelos próprios, nem reconhecida pela sociedade, e que esses saberes nenhum curso superior pode proporcionar; aos mais jovens que se encontram num processo de desenvolvimento do seu saber e conhecimento mas que muitas vezes não se encontram motivados para dar continuidade à sua formação formal. Isto, por vezes, não só pelo seu desinteresse mas por todo um sistema que nem sempre dá as respostas adequadas e desejadas. Por outro lado também é importante o trabalho a nível colectivo, quer a nível de entidades como de grupos colectivos de pessoas, formais ou informais. É importante fazer essa ponte do individual ao colectivo, papal fundamental para o Educador Comunitário. Por vezes é necessário e importante dar a conhecer às Entidades de âmbito Regional e Nacional os problemas que afectam os locais, quanto maior for a relação de proximidade com as comunidades, mais capacitados estamos para poder desenvolver e propor projectos e iniciativas de intervenção local, ajustados às realidades e que possam dar respostas aos problemas detectados. Actualmente a Associação da qual sou colaboradora contratada está cada vez mais virada e vocacionada para a área da Formação, estando também o meu trabalho relacionado com esta temática. Somos uma entidade que acolhe um Centro de RVCC (Centro de Reconhecimento Validação e Certificação de Competências) e faço para este centro algum encaminhamento de adultos e jovens. Isso passa pela divulgação, mobilização de pessoas, levando-as à tomada de consciência das suas próprias capacidades, inscrições e até acompanhamento de alguns processos de certificação. Esta é uma oportunidade que está ao alcance de qualquer pessoa, ver certificadas oficialmente as suas competências e saberes. Contribui para uma maior satisfação pessoal, maior auto confiança e auto estima e até para realizar projectos que ainda não tinha tido coragem. É muito gratificante acompanhar os indivíduos que concluem este processo.Ultimamente tenho dinamizado Acções de Balanço de Competências com alunos das escolas profissionais. Estas sessões são trabalhadas com técnicas de animação que levam os alunos a reflectir sobre competências essenciais (ex. Comunicação, Planeamento, Organização, Responsabilidade, Determinação…) para a sua integração no mercado de trabalho e também para a sua participação em sociedade como cidadãos conscientes, activos, participativos na vida produtiva, cultural e política de uma sociedade, tendo em vista a construção de um mundo cada vez mais democrático e solidário. Verifica-se uma maior motivação / participação quando se proporciona uma forma diferente e animada mas nunca desfocando dos objectivos. A participação dos alunos é muito maior e existe uma maior adesão, leva-os pois, citando as suas palavras “a pensar sobre assuntos sérios mas num tom de brincadeira”. Por todas estas experiências que tenho vivenciado / experiênciado, quer no meu percurso escolar formal, quer em termos profissionais, quer em muitas outras actividades que desenvolvo em regime de voluntariado, em Associações Locais ligadas ao trabalho desenvolvido com jovens, idosos e comunidade em geral, tudo isto em prol do desenvolvimento comunitário, quero reforçar o papel que o Educador Comunitário pode ter na sociedade no sentido de fazer com que esta seja mais participativa, crítica e formada. O Educador Comunitário pode e deve estar capacitado para trabalhar com e para a comunidade, no sentido de esta ser mais autónoma, valorizada e reconhecida e capaz de lutar de cabeça erguida pela satisfação das suas necessidades e direitos. Para terminar deixo uma citação que representa para mim, tudo o que será de desejar junto das comunidades e que está ao alcance do Educador Comunitário lutar para conseguir e obter algumas mudanças através da chamada Educação Popular.
“Entendo a mobilização popular como espaço de mobilização, organização e capacitação das classes populares; capacitação científica e técnica (…) o conhecimento do mundo é também feito através das práticas do mundo; e é através dessas práticas que inventamos uma educação familiar às classes populares (...) não há um programa, inexiste nessa pedagogia um programa preestabelecido de conteúdos a serem ensinados. No entanto, essas pessoas se ensinam umas às outras, elas se medem em actos grupais de conhecimento (…) há um momento em que se pode descobrir que as necessidades pelas quais se luta podem ser satisfeitas, podem ser resolvidas; essa descoberta dá conta de que há caminhos possíveis e que as necessidades – as que fazem lutar – não são tão exageradas, e podem ser resolvidas (…) educação popular e mudança social andam juntas. Essa educação renovada transforma não apenas os métodos de educar. Transforma as pessoas que são educadas em uma sociedade em transformação”. (Freire e Nogueira, 1989).
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