2008-01-16

Disciplina de Educação de Adultos I

Texto de Apoio: Método Psico-Social

Por muitos considerado o mais importante pedagogo do século XX, Paulo Freire foi inspirador de um método revolucionário que alfabetizava em 40 horas, sem cartilha ou material didáctico. Paulo Freire entendia tratar-se muito mais de uma teoria do conhecimento do que uma metodologia de ensino, muito mais um método de aprender que um método de ensinar. O cunho fundamental deste método é não só o alfabetizar mas, principalmente, reciclar culturalmente uma população que sendo analfabeta fica para trás no processo de desenvolvimento. Paulo Freire achava que o problema central não era o simples alfabetizar mas fazer com que as pessoas analfabetas assumissem a sua dignidade enquanto gente e, desta forma, detentores de uma cultura própria, capazes de fazer história. Para Paulo Freire aquele que detém a crença em si mesmo é capaz de dominar os instrumentos de acção à sua disposição, incluindo a leitura
Paulo Freire, no início da década de 90 revelava-se um autor preocupado com as questões relacionadas com o tipo de educação que as pessoas necessitavam para viver neste mundo tão complexo de globalização capitalista da economia, das comunicações e da cultura e, ao mesmo tempo, de ressurgimento dos nacionalismos, do racismo, da violência e de certo triunfo do individualismo. Paulo Freire concebe a educação como reflexão sobre a realidade existencial, procurando articular com essa realidade as causas mais profundas dos acontecimentos vividos e procurando inserir sempre os factos particulares na globalidade das ocorrências da situação. A aprendizagem da leitura e da escrita equivale a uma releitura do mundo. Ele parte da visão de um mundo em aberto, isto é, a ser transformado em diversas direcções pela acção das pessoas
Do ponto de vista da sustentação filosófica a educação de adultos, contraria a perspectiva tradicional, na medida em que parte da aceitação e compreensão do “homem-social” como sujeito das acções transformadoras do mundo e de tudo o que o rodeia, sendo ele mesmo transformado por esse processo. Neste contexto, o acto educativo, seja qual for a circunstância e o nível em que se opere, inscreve-se num processo de E/A, em que as pessoas são portadoras de potencialidades de apreender a realidade com o objectivo de a transformar em benefício da própria sociedade. Contrariamente a uma concepção tradicional que impede a formação de um pensamento consciente da pessoa face a uma situação político-social-económica que a condiciona, há uma concepção associada a metodologias activas e participativas ligadas a formas de encarar a educação como um processo libertador, que indaga, problematiza, transforma as pessoas em co-autores dos resultados da acção.
A teoria e prática da educação libertadora parte de um conjunto de premissas:
- A hegemonia económica e política da classe dominante impede que se desenvolvam quaisquer formas de organização educativa que atentem contra os interesses de classe, ou seja, o desenvolvimento de uma praxis libertadora que legitime e represente os interesses das pessoas de grupos sociais mais desfavorecidos;
- A educação não é neutra;
- Em certos momentos, a educação constitui o elemento fundamental para a transformação social;
- Para o jovem e pessoa adulta não é assim tão importante conhecer coisas novas (de um modo abstracto), o que lhes interessa é a sistematização dos seus conhecimentos, integrando em conjuntos mais harmónicos e mais totalizantes os elementos novos. A base do processo de E/A é uma experiência pessoal, em que a realidade concreta (a sua actividade prática) há-de ser o ponto de partida do processo educativo para ele;
- O jovem e a pessoa adulta não se motiva para aprender senão quando vê que o conhecimento novo lhe é útil para transformar as suas condições concretas de existência e para melhorar a sua vida;
- Para todo o adulto é importante a sua auto-imagem, a maneira como ele se vê a si mesmo frente à sociedade. Importantes são os papéis que desempenha, o valor das suas actividades económico-produtivas, a valorização do seu trabalho e a acumulação de experiências existenciais;
- Não há prática sem teoria, nem teoria sem prática: a teoria em articulação com a prática leva a um pensamento organizado.
O acto educativo deve ser um acto de conhecimento, na procura de alternativas situadas de um determinado contexto socio-económico-cultural e político, para que ao conhecê-lo se possa intervir adequadamente. Uma educação centrada na prática de pensar a prática gira em volta de temas fundamentais – saúde, agricultura, pesca, produção, serviços que permitem desenvolver análises globais desses temas. A prática fundamentada e dirigida assume uma atitude epistemológica, como compreensão de que qualquer acto educativo é um acto de conhecimento. O saber implica o que é conhecer, para quê conhecer. Converter o acto educativo num processo de conhecimento significa manter uma tensão dialéctica entre três momentos: identificar os elementos da situação dada; encontrar as relações entre esses elementos; elaborar um conceito explicativo.
O acto de conhecimento no âmbito de uma educação libertadora exige o desenvolvimento de um processo onde se desenvolve uma atitude crítica face à realidade, o que equivale a afirmar que não existe conhecimento desvinculado da prática social. Numa educação construtivista é necessário ter condições para analisar junto com as pessoas, as condições político-económico-culturais que caracterizam situações de dependência e dominação que se observam a nível local, regional, nacional.

DESENVOLVIMENTO DO MÉTODO PSICO-SOCIAL
a)- Investigação do Universo Temático
O Universo Temático resume o marco referencial e operativo a nível socio-político-económico e cultural, que engloba os conhecimentos da realidade concreta das pessoas com quem se trabalha. Resume o conjunto de situações que envolve as pessoas, ao nível dos aspectos sociais, políticos, económicos, culturais, âmbito histórico, geográfico e a percepção que as pessoas têm relativamente a todos esses aspectos, bem como as suas aspirações, atitudes, valores, costumes. O Universo temático constitui um todo do qual se podem destacar as situações mais significativas que se podem agrupar em temas geradores (a partir da investigação temática). Assim o Universo temático é o resultado de uma análise do conhecimento da realidade social, realidade económica, realidade política, realidade cultural, capacidade para descobrir os dados da sua realidade que podem ser úteis para programar actividades que gerem processos de mudança na Comunidade.
A Investigação do Universo Temático compreende dois grandes grupos de informação que, ainda que intrinsecamente relacionados, podem ser analisados separadamente:
- Informação Geral Objectiva, que compreende dados locais sobre as actividades produtivas preponderantes na comunidade (cultivos, captura de espécies marinhas, industrias, serviços,..), graus de produtividade, formas de comercialização e consumo, dados sobre a ocupação das pessoas, condições de trabalho, instrumentos de trabalho, saúde, participação em actividades culturais, grau de participação na resolução de problemas da comunidade, formas de associação,....
- Informação Geral Subjectiva que compreende recolher dados sobre aspectos da problemática global da Comunidade segundo o que cada pessoa pensa que a afecta e afecta a maioria das restantes pessoas, temas que gostariam de discutir, aprender ou informar-se, assuntos que gostariam de debater com outras pessoas, problemas concretos que na sua opinião exigem acções organizadas. Importa ainda recolher dados sobre problemas relacionados com a qualidade de vida como saúde, transportes, electricidade, água, ambiente,.. Esta Investigação permitirá uma hierarquização por ordem decrescente de frequências das principais áreas problemáticas.
b)- Temas Geradores
Com os dados da Investigação Temática, o passo seguinte é identificar os temas chave sobre os quais se devem centrar as acções educativas. A selecção dos temas geradores deve estar relacionada com aspectos sociais e culturais da comunidade. Devem ter uma significação relevante para as pessoas. As palavras geradoras já indicam, por si, que são mobilizadoras de acções educativas. A selecção dos temas geradores é a delimitação rigorosa do que é conhecer, que está intimamente relacionado com o conteúdo programático da educação que desejamos realizar. Os temas geradores derivam de vários elementos como, cultura e identidade nacional, cultura e saúde, cultura e gastronomia, cultura e utensílios e ferramentas, a cultura nas suas diferentes expressões (cerâmica, canto, música, bailes, rituais, pintura,..), invasão cultural, educação, ambiente, história, geografia, etc.... Qualquer tema gerador tem em si mesmo possibilidades infinitas.
c)- Codificação
A codificação é a representação em forma gráfica, visual ou auditiva, dos temas geradores. È a reprodução da situação existencial, expressando momentos do contexto concreto. A codificação pode ser realizada de diversas maneiras, dependendo do canal de comunicação que se quer utilizar:
- Códigos visuais : gráficos, quadros, diapositivos, desenhos, fotografias, textos.
- Códigos auditivos: Música, canções, relatos,..
- Códigos audio-visuais: representações, mímica, filmes, teatro, projecções,..
Como regra a elaboração dos códigos considera-se que deve apresentar situações existenciais das pessoas; os recursos audiovisuais, ou visuais que representam as situações não devem ser nem demasiado explícitos nem demasiado enigmáticos; devem oferecer possibilidades de análise na sua descodificação; as situações apresentadas devem ter uma relação entre si; as contradições da realidade devem ser elementos de crítica de reflexão.

d)- Descodificação - Significa o momento de diálogo. O que se vê aqui? Porque será sim? Que relação vêem entre as situações? Que problemas? Que soluções?

No livro Educação como Prática da Liberdade Freire propõe a execução prática do Método em cinco fases, a saber:
1ª Fase: levantamento do universo vocabular dos grupos com quem se trabalhará. Essa fase constitui num importante momento de pesquisa e conhecimento do grupo, aproximando educador e educando numa relação mais informal e portanto mais carregada de sentimentos e emoções. É igualmente importante para o contacto mais aproximado com a linguagem, com os falares típicos do povo.
2ª Fase: escolha das palavras seleccionadas do universo vocabular pesquisado. Esta escolha deverá ser feita sob os critérios: a) da riqueza fonética; b) das dificuldades fonéticas, numa sequência gradativa dessas dificuldades; c) do teor pragmático da palavra, ou seja, na pluralidade de engajamento da palavra numa dada realidade social, cultural, política etc...
3ª Fase: criação de situações existenciais típicas do grupo com quem se vai trabalhar. São situações desafiadoras, codificadas e carregadas de elementos que serão descodificados pelo grupo com a mediação do educador. São situações locais que discutidas abrem perspectivas para a análise de problemas regionais e nacionais.
4ª Fase: Elaboração de fichas-roteiro que auxiliem os coordenadores de debate no seu trabalho. São fichas que deverão servir como subsídios, mas sem uma prescrição rígida a seguir.
5ª Fase: Elaboração de fichas com a decomposição das famílias fonéticas correspondentes aos vocábulos geradores. Esse material poderá ser construído na forma de slides ou cartazes. A proposta de utilização dessa metodologia na alfabetização de jovens e adultos foi completamente inovadora e diferente das técnicas até então utilizadas que eram, na maioria das vezes, resultado de adaptações simplistas das cartilhas, com forte tónica infantilizante. Foi diferente por possibilitar uma aprendizagem libertadora, não mecânica, mas uma aprendizagem que requer uma tomada de posição frente aos problemas que vivemos. Uma aprendizagem integradora, abrangente, não fragmentada, com forte teor ideológico. Foi diferente pois promovia a horizontalidade na relação educador-educando, a valorização de sua cultura, de sua oralidade, enfim, foi diferente, acima de tudo, pelo seu carácter humanístico. Dessa forma, o Método proposto por Freire rompeu com a concepção utilitária do acto educativo propondo uma outra forma de alfabetizar. Cabe aqui também o registro que Paulo Freire, ao trabalhar com slides, gravuras, enfim materiais audiovisuais foi um dos pioneiros na utilização da linguagem multimédia na alfabetização de adultos. Isso prova o quanto Freire estava à frente de seu tempo. O Método Paulo Freire continua vivo e em evolução entre aqueles que trabalham com as suas ideias, mas reafirma-se a necessidade de recriação constante em toda e qualquer prática educativa, inclusive no método em questão.

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